São Paulo, quinta-feira, 31 de maio de 2001

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TEATRO

Ator sem sombra

Primeiro intérprete de Peter Brook, Yoshi Oida desembarca no Brasil em um mês para o Festival de São José do Rio Preto

MARCELLA FRANCO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Um dos mais importantes atores do Centro Internacional de Criação Teatral, de Peter Brook, acertou sua aparição no Brasil para o mês de julho. Aparecer é a palavra certa, já que Yoshi Oida, 68 (33 deles trabalhando com Brook), desde pequeno correu atrás da ambição de se tornar invisível. Até seu novo livro versa sobre o assunto.
Oida surge no Festival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto, a partir do dia 19, para apresentar seu espetáculo "Les Bonnes", ministrar um workshop e, é claro, revelar o segredo da invisibilidade publicando o livro "O Ator Invisível", o segundo de sua carreira.
Muito simpático, entremeando as respostas com risadas lépidas, sempre seguidas de um rápido "you know?" ("sabe?"), Oida falou à Folha, por telefone, de sua casa em Paris. O multiartista -adjetivo mais que justo a quem se contorce entre direção, atuação no teatro, cinema e ainda publica livros- falou sobre seu trabalho e comentou as artes cênicas. Leia abaixo trechos da entrevista.

Folha - Peter Brook costumava dizer que, para ele, além de companheiro e amigo, o sr. era um mestre. O que o sr. lhe ensinou?
Yoshi Oida -
Eu não acredito que ele disse isso! [risos" Para mim, o mestre nisso tudo é ele. Aprendi demais. Não sei o que ele pode ter aprendido comigo, nunca ensinei nada, nunca tive essa pretensão.

Folha - Invertendo os papéis: como é ter Brook como professor?
Oida -
Sua influência é muito grande. Peter é a definição do teatro. Foi uma bênção trabalhar com ele. Meu trabalho como diretor é todo devido a Peter Brook.

Folha - O que de mais importante ele ensinou ao sr.?
Oida -
Quando fui fazer meu primeiro trabalho como diretor, pedi que ele me contasse o segredo da boa direção. Ele disse: "Paciência". O bom diretor sabe esperar.

Folha - O sr. é natural de Kobe, mas há muito atua em palcos ocidentais. Por que essa escolha?
Oida -
Esse foi um modo de entrar em contato com um público maior. Outra razão foi a curiosidade. Se eu atuo no Japão, é muito fácil compartilhar algo com o público. As platéias ocidentais são muito diferentes de mim, o que torna mais difícil transmitir meu trabalho. Foi um desafio.

Folha - Foi a escolha certa?
Oida -
Ainda não tenho certeza [risos". Talvez tivesse sido melhor ficar lá, mas não me arrependo.

Folha - Qual a principal diferença entre o teatro japonês e o europeu?
Oida -
No teatro europeu, é preciso mostrar, estar visível. Já no teatro clássico japonês, se seu interior é verdadeiro, não é preciso se preocupar com o exterior. No teatro europeu, o exterior é entretenimento, graça. Mas, se você não sente nada por trás disso, seu teatro não vai ter função. É preciso mostrar seu "talento invisível".

Folha - Aliás, seu novo livro chama-se "O Ator Invisível". O sr. sabe como se tornar invisível?
Oida -
A idéia do livro veio de um desejo de criança. Eu queria muito ser um ninja, porque eles sabiam desaparecer. Minha mãe me deu uma capa preta, eu vesti, e então ela disse: "Onde está Yoshi? Ele sumiu!". Fiquei muito feliz e, todas as vezes que queria me esconder de alguém ou simplesmente ficar invisível, me escondia debaixo da capa.

Folha - E essa capa ainda existe?
Oida -
Sim, ela está guardada para emergências [risos".

Folha - Comumente, o sr. é definido como um "missionário da arte". Os atores têm realmente uma missão predefinida?
Oida -
A arte de atuar deve estar sempre em mutação. Não dá para definir o que um ator deve fazer, muito menos se ele é bom ou ruim. Cada momento é diferente e exige um estilo diferente.

Folha - Se não há atores bons ou ruins, como o sr. se classifica?
Oida -
Nunca parei para pensar nisso. Quando eu era jovem, queria muito ser competente e trabalhei muito duro para isso. A questão é que, se você quer muito ser bom, nunca será um bom ator. Ih! Descobri que, por isso, talvez eu seja ruim no que faço... [risos"



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