São Paulo, sexta-feira, 31 de maio de 2002

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No Brasil, 58 cidades não têm cobertura da Globo, única com direito a transmitir a Copa

Em posição de impedimento


Moradora de Canabrava do Norte (MT) não poderá ver os jogos porque em sua TV "só pega" a Record


LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Moradora de Canabrava do Norte, no interior do interior do Mato Grosso, Sônia Maria Ferreira da Rocha não vai ver a Copa na TV pela primeira vez na vida desde que se entende por gente.
A cidade, com pouco mais de 7.000 habitantes, é uma das 58 no Brasil sem cobertura da TV Globo, que terá exclusividade na transmissão do Mundial deste ano, com estréia hoje, na Coréia.
Sônia, dona-de-casa, 40 anos, terá de se conformar com as mesas-redondas da Record, a única que "pega" no local, por meio de retransmissora. "É uma pena que a Copa não vai passar na Record. Tive que vender a parabólica para construir minha casa e fiquei sem os jogos", diz. O marido, "por sorte", está trabalhando em Goiânia e poderá ver a seleção pela TV.
Com os horários malucos das transmissões, esta Copa também vai contar menos com os "televizinhos". "Não vai dar para visitar o vizinho às 3h para ver o jogo."
Se não fosse nesse horário, Sônia poderia ir à casa de dona Luiza Barbosa dos Santos, 50. Depois de passar "a vida toda" sem mudar o canal da TV e tendo de assistir até aos programas dos bispos evangélicos, mesmo sendo católica, ela está em festa porque conseguiu finalmente comprar uma parabólica para torcer pelo Brasil.
No início do ano, sabendo que só a Globo deveria exibir os jogos, Luiza e o marido, Rafael Souza do Nascimento, 50, decidiram entrar em um consórcio de antena. "Custa R$ 380 e não dava [com o dinheiro que recebem trabalhando 'na terra'] para pagar à vista."

Festa do prefeito
Assim como em Canabrava, os habitantes das outras 57 cidades que não são cobertas pela Globo -o que representa 1,05% dos municípios brasileiros- só poderão ter acesso à Copa se tiverem antena parabólica (leia ao lado).
No total, segundo cálculo da Superintendência Comercial da Globo, são 221.101 pessoas que potencialmente têm acesso à TV -0,15% do número de telespectadores no país- sem a Globo. Não é possível, no entanto, calcular quantos possuem parabólica.
E também não dá para dizer que, se o Mundial não fosse exclusivo da Globo, essas pessoas estariam salvas. É muito provável, segundo especialistas consultados pela Folha, que a maioria desses municípios não tenha cobertura de nenhuma outra emissora.
É o caso de Santa Rosa do Purus, no Acre. Com 2.004 habitantes (segundo site da Globo), a cidade só assiste TV por antena parabólica. Para não deixar a população sem a Copa, o prefeito, José Altamir Taumaturgo de Sá (PT), irá organizar festas com um aparelho "bem grande". Na praça? "Não. Na casa dele", diz Francisco Salles Contreiras (PT), presidente da Câmara. "Cabem umas 500 pessoas num canto lá do quintal."
Mesmo com esse número de convidados, alguns moradores devem ficar fora da torcida pelo time de Luiz Felipe Scolari, já que, segundo dados de 2000 da Globo, há apenas 231 domicílios com aparelhos de televisão, ou 1.334 telespectadores em potencial.
E lá, a torcida começa "mais cedo", já que são duas horas a menos do que o horário de Brasília.
"Quando os jogos forem às 4h (6h no horário de Brasília) e às 6h (8h), será fácil porque normalmente já estamos acordados nessa hora. Quando for à 1h (3h), será mais complicado. Acho que teremos que ficar acordados direto."

Copa dos excluídos
Calcula-se que no Brasil haja pelo menos 7 milhões de antenas parabólicas, ou 22 milhões de telespectadores potenciais.
Mas, segundo a Abinee (Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica), desse total de antenas, 3,8 milhões estão no Sudeste, 1,36 milhão no Sul, 1 milhão no Nordeste, 570 mil no Centro-Oeste e Norte e 360 mil no Norte.
Com esses números, o que se conclui é que justamente as três regiões que possuem municípios ainda não cobertos pela Globo são as que menos têm acesso às antenas parabólicas.
É o torcedor brasileiro em posição clara de impedimento.



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