São Paulo, Segunda-feira, 31 de Maio de 1999
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Proust vira auto-ajuda nas mãos de Alain de Botton


Anglo-suiço. autor de "Como Proust Pode Mudar sua Vida", que sai este mês no Brasil, e "Kiss & Tell" diz que "livros existem para dar respostas"


SYLVIA COLOMBO
de Londres

Aos 30 anos, Alain de Botton já disse tudo o que podia sobre o amor. "Preciso parar antes que achem que sou um mago com respostas para todos os problemas de relacionamentos", afirmou, em entrevista concedida à Folha, em sua casa, em Londres.
O hypado escritor anglo-suíço acaba de terminar um livro, "Consolations of Philosophy" ("Consolos da Filosofia"), em que mostra como seis filósofos podem dar lições para a vida contemporânea. O livro será lançado no Reino Unido até o fim do ano e a versão brasileira virá no começo do ano 2000.
No Brasil, De Botton está lançando, ainda neste semestre, "Kiss & Tell" ("Beije e Conte"), uma sátira sobre biografias. "Como Proust Pode Mudar sua Vida", livro de "auto-ajuda", editado na Inglaterra em 97, acaba de chagar às livrarias brasileiras.
Nos três, De Botton segue buscando respostas na literatura para as angústias mundanas dos anos 90. Para ele, "Em Busca do Tempo Perdido", obra seminal do escritor francês Marcel Proust (1871-1922), é "uma história cheia de idéias práticas e universalmente aplicáveis sobre como parar de desperdiçar a vida". Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

Folha - Você acaba de escrever um livro, fale sobre ele.
Alain de Botton -
Chama-se "Consolations of Philosophy". Uso o pensamento de seis filósofos e tento mostrar como eles podem nos consolar: Sócrates, Epicuro, Sêneca, Montaigne, Schopenhauer e Nietzsche.
Folha - Seus livros sempre têm uma missão, desde como enfrentar um relacionamento nos anos 90 ("O Movimento Romântico") ou como entender o outro ("Kiss & Tell") até este último, mostrando como os filósofos podem nos salvar. É seu "Leitmotiv"?
De Botton -
É o que eu gosto de ler, é o que eu procuro nos livros: uma resposta. Acho que os livros podem ser úteis de diversas maneiras, não somente nos dizendo como nos comportar amanhã. Mas devo confessar que tenho uma preocupação prática sobre como resolver um problema quando leio ou escrevo um livro.
Folha - Qual era a preocupação prática em "Kiss & Tell"?
De Botton -
Mostrar como as pessoas não entendem as outras. E que não há nada de errado nisso, há que se encarar esse desentendimento com humor.
Usando o formato da biografia, um instrumento muito usado para se conhecer as pessoas, ao menos as famosas, ao longo da história, tentei mostrar que é muito difícil entender o outro.
Folha - O capítulo em que Isabel, sua protagonista, fala sobre sua árvore genealógica é particularmente ácido. Você se inspirou em alguma família específica?
De Botton -
Não, é uma fusão de várias histórias que já ouvi, que todos ouvimos. Nas biografias tradicionais, fala-se sobre os ancestrais dos biografados. Eu falo dos problemas desses ancestrais. Todo mundo tem e gosta de falar de familiares problemáticos, emocionalmente perturbados. Porque no fundo todas as pessoas são muito estranhas e toda história de vida é complicada e impressionante.
Folha - Como você se vê tratando de questões universais, mas com uma preocupação de tempo e espaço específicos? Seus livros se passam em Londres, nos anos 90...
De Botton -
Eu não nasci em Londres e tenho um olhar de estrangeiro, por isso acabo colocando atenção nas coisas que estrangeiros não entendem ou entendem mal sobre Londres. Acho que isso explica o sucesso dos livros fora da Inglaterra.
O que faço é colocar um zoom em fenômenos particulares desta cidade nos anos 90 e jogar em uma preocupação universal.
Folha - O que você acha da literatura de auto-ajuda?
De Botton -
É ridícula e, principalmente, muito mal-escrita. Mas, pelo fato de tentar dar uma solução para a felicidade das pessoas, ela me atrai bastante. O que faço em "Como Proust Pode Mudar sua Vida" é, no formato da auto-ajuda, mostrar lições práticas que se pode aprender com Proust.
Folha - Por que você se cansou do amor?
De Botton -
Não acho que tenha falado só sobre amor nos meus livros. Amor não é apenas um casal, sempre usei o amor para tratar de outros assuntos, comportamentos sociais, política, psicologia. Do ponto de vista do marketing, o amor é um ótimo envelope para "embrulhar" um outro tema.
Folha - Críticos conservadores o acusam de citar clássicos de forma aleatória e gratuita, enquanto os da área pop dizem que você quer impressionar com as referências literárias. O que acha disso?
De Botton -
Acho que essa crítica que diz que quero impressionar está obsoleta. O público que compra livros hoje é muito mais culto do que no passado, não se deixa impressionar tão facilmente.
A classe média compra mais livros e mais gente vai às universidades. As pessoas não sentem que as citações sejam estranhas ou distantes delas. Acredito que o conceito de elite cultural não existe mais no mundo contemporâneo.
Folha - Bom, você está falando do Primeiro Mundo, não?
De Botton -
É verdade, nos países subdesenvolvidos as coisas mudam lentamente, infelizmente. Mas acho que o caminho lá também é esse, não? No Brasil, pelo menos, meus livros vendem bem.


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