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RESENHA
"Kiss & Tell" mostra como todos são muito esquisitos
de Londres
Isabel, protagonista de "Kiss
&Tell", é uma imaginária mocinha
londrina dos anos 90: auto-depreciativa, adora glamour, tem medo
de engordar, fala o tempo todo na
família, rói unhas e come as cutículas ("têm gosto de frango", diz).
Sem ter escrito ou composto nenhuma obra-prima, nada candidataria Isabel a ter sua vida biografada. A não ser que o biógrafo seja
Alain de Botton e sua intenção seja
fazer uma sátira ao formato da biografia escolhendo uma pessoa comum para ser seu objeto.
"Kiss & Tell" traz tudo aquilo
que uma biografia tradicional esconde sobre a pessoa de que trata:
o que ela gosta de comer, como
gasta suas horas ociosas, pequenas
idiossincrasias e ainda confissões,
por exemplo, de como ela escova
os dentes -"a melhor coisa é simplesmente aplicar a escova e rotacionar assim (faz um gesto) bem
gentilmente".
O "biógrafo" em "Kiss & Tell"
esconde-se atrás de um rapaz que
se mostra atraído por Isabel e a observa enquanto a acompanha em
programas culturais, seções de natação e muitas, muitas refeições.
Aos poucos se revela a real intenção do autor, a de não somente satirizar um estilo literário, mas
mostrar como as pessoas são muito esquisitas se tomarmos em consideração seus hábitos cotidianos,
pensamentos durante o ócio e paradoxos entre o que pensam sobre
elas mesmas e como agem.
Depois de páginas e páginas de
descrição sobre como Isabel anda,
fala, odeia quando sua mãe tem
"atitudes de mártir", esconde chocolates em sua geladeira particular
ou tem "momentos proustianos"
por meio de biscoitos de gengibre,
De Botton conclui que se trata de
uma menina estranha, mas que, no
fundo, é como todos nós. Algo como "Marcelo, Marmelo, Martelo",
de Ruth Rocha, com mais psicologia e transportado para a capital
britânica na virada de milênio.
Alain de Botton celebra em "Kiss
& Tell" seu estilo de fundir o
"easy-reading" (fácil de ler) com
temas universais, entremeando a
narrativa com citações de clássicos
gregos, românticos ou existencialistas.
Alain de Botton faz textos divertidos e ágeis, esbarra na canção
"Rockville", do R.E.M., com a mesma naturalidade com que analisa o
momento proustiano evocado pelas madeleines de "Em Busca do
Tempo Perdido", de Proust.
Em tom folhetinesco, "Kiss &
Tell" conta a história de um personagem-estereótipo. Mas o mais interessante no resultado final é que,
focalizando as imperfeições de sua
Isabel, De Botton desconstrói o seu
próprio clichê.
(SC)
Livro: Kiss & Tell
Autor: Alain de Botton
Lançamento: editora Rocco (ainda neste
semestre); versão britânica: editora Picador
Quanto: cerca de US$ 11 (246 págs.)
Onde comprar: www.amazon.com
Avaliação:
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