São Paulo, Segunda-feira, 31 de Maio de 1999
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RESENHA
"Kiss & Tell" mostra como todos são muito esquisitos

de Londres

Isabel, protagonista de "Kiss &Tell", é uma imaginária mocinha londrina dos anos 90: auto-depreciativa, adora glamour, tem medo de engordar, fala o tempo todo na família, rói unhas e come as cutículas ("têm gosto de frango", diz).
Sem ter escrito ou composto nenhuma obra-prima, nada candidataria Isabel a ter sua vida biografada. A não ser que o biógrafo seja Alain de Botton e sua intenção seja fazer uma sátira ao formato da biografia escolhendo uma pessoa comum para ser seu objeto.
"Kiss & Tell" traz tudo aquilo que uma biografia tradicional esconde sobre a pessoa de que trata: o que ela gosta de comer, como gasta suas horas ociosas, pequenas idiossincrasias e ainda confissões, por exemplo, de como ela escova os dentes -"a melhor coisa é simplesmente aplicar a escova e rotacionar assim (faz um gesto) bem gentilmente".
O "biógrafo" em "Kiss & Tell" esconde-se atrás de um rapaz que se mostra atraído por Isabel e a observa enquanto a acompanha em programas culturais, seções de natação e muitas, muitas refeições.
Aos poucos se revela a real intenção do autor, a de não somente satirizar um estilo literário, mas mostrar como as pessoas são muito esquisitas se tomarmos em consideração seus hábitos cotidianos, pensamentos durante o ócio e paradoxos entre o que pensam sobre elas mesmas e como agem.
Depois de páginas e páginas de descrição sobre como Isabel anda, fala, odeia quando sua mãe tem "atitudes de mártir", esconde chocolates em sua geladeira particular ou tem "momentos proustianos" por meio de biscoitos de gengibre, De Botton conclui que se trata de uma menina estranha, mas que, no fundo, é como todos nós. Algo como "Marcelo, Marmelo, Martelo", de Ruth Rocha, com mais psicologia e transportado para a capital britânica na virada de milênio.
Alain de Botton celebra em "Kiss & Tell" seu estilo de fundir o "easy-reading" (fácil de ler) com temas universais, entremeando a narrativa com citações de clássicos gregos, românticos ou existencialistas.
Alain de Botton faz textos divertidos e ágeis, esbarra na canção "Rockville", do R.E.M., com a mesma naturalidade com que analisa o momento proustiano evocado pelas madeleines de "Em Busca do Tempo Perdido", de Proust.
Em tom folhetinesco, "Kiss & Tell" conta a história de um personagem-estereótipo. Mas o mais interessante no resultado final é que, focalizando as imperfeições de sua Isabel, De Botton desconstrói o seu próprio clichê. (SC)
Livro: Kiss & Tell Autor: Alain de Botton Lançamento: editora Rocco (ainda neste semestre); versão britânica: editora Picador
Quanto: cerca de US$ 11 (246 págs.)
Onde comprar: www.amazon.com


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