São Paulo, Segunda-feira, 31 de Maio de 1999
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FERNANDO GABEIRA
Estariam as CPIs roubando audiência das novelas?

A turma do "Casseta & Planeta" esteve no Congresso. Dessa vez, entrou e, com algumas restrições na Câmara, conseguiu realizar seu programa. No mandato anterior, lembro que não conseguiu cruzar as portas e teve de gravar entrevistas na rua.
Eles vieram atraídos pelas CPIs. Confessaram que passam grande parte do tempo vendo as TVs do Senado e da Câmara. Acham mesmo que elas estão roubando público da Globo. Daí a pergunta que nos trouxeram: as CPIs estão roubando audiência das novelas?
Alguns parlamentares se recusam a falar com o "Casseta". Outros falam, desde que possam responder com a maior seriedade, como se estivessem numa entrevista para o jornal noturno. Finalmente, há a minoria que aceita o tom e consegue rir de sua própria atividade.
Interessante como a presença do "Casseta & Planeta" mobiliza a segurança. Mesmo os seus passos permitidos eram observados com cautela, relatados pelo rádio como se um perigoso grupo subversivo estivesse prestes a assumir a tribuna e fulminar a todos com uma curta piada.
"Devo tirar ou pôr o careca?", pergunta o presidente Viajando Henrique Cardoso aos senadores. É a versão do grupo sobre a escolha de Chico Lopes para o Banco Central. Por que que as CPIs não têm amor, como nas novelas? Quem vai casar com quem no final?
Dois mundos, dois discursos mediados pelos seguranças.
Dessa vez, no entanto, pareceram mais próximos. Na verdade, a televisão os aproximou. De certa forma, estão todos agora no mesmo ramo, emitindo conceitos políticos e piadas para todos os cantos do país.
A entrada do "Casseta" no Congresso quebrou um tabu. Existem outros que talvez levem décadas para serem quebrados. Um deles é o que nos obriga a trabalhar de terno e gravata como um bom europeu, num clima de deserto como é o de Brasília.
O ar-condicionado é superpotente, diria mesmo desregulado. Além disso, foi instalado de tal maneira que devolve para o ambiente todos os fungos e bactérias que recolhe na sala, a ponto de os próprios médicos aconselharem a não se permanecer muito tempo por ali.
Os problemas começaram com a própria concepção do prédio. Deve-se gastar uma fortuna em energia para tocar o sistema de ar-condicionado. Mas vivemos num mundo perfeito, vestidos como europeus e nos envenenando com um ar de montanhas (as impurezas já foram medidas por duas empresas especializadas).
O objetivo desse holocausto respiratório é só um: transmitir um clima digno e sério ao espaço onde se definem questões importantes para o país.
Uma grande diferença para um Parlamento como o de Israel, por exemplo. Cada um vai vestido como quer. Os temas são tão graves, há um longo processo de paz a ser construído e, além disso, há culturas diferentes coexistindo no mesmo espaço.
Quando se menciona essa possibilidade, as pessoas reagem horrorizadas. Imaginem: um gaúcho vestido a caráter, alguém com um chapéu de cangaceiro -dizem elas-, isso vai ser um carnaval.
Diante dessa auto-representação problemática, não nos resta outro caminho a não ser o modelo europeu, que, pelo menos formalmente, pode nos devolver a idéia da seriedade perdida.
De terno e gravata, dizemos e cometemos as maiores barbaridades. Basta examinar este episódio das inúmeras fitas gravadas no BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Revelam práticas censuráveis, mas, ao mesmo tempo, suscitam um macabro festival de quebra de privacidade, ao que parece planejado no interior do próprio governo.
A rigor, quem deveria ter medo da política são os humoristas do "Casseta & Planeta", cuja única arma é uma boa piada. A curiosidade e o espanto com que acompanham os meandros da vida política expressam apenas a desconfiança dos milhões de brasileiros diante de um jogo pesado. Quem é o Massaranduba, que vive dando porradas, perto do deputado Hildebrando Pascoal, acusado de cem mortes, algumas com esquartejamento?
A pergunta que a turma do "Casseta" faz (estariam as CPIs roubando audiência das novelas?) revela, no fundo, um progresso na transparência e divulgação da vida política. A escolha do verbo para formular a pergunta ainda é sinal dos tempos.
Em duas eleições visitei a redação desses vitoriosos humoristas para apresentar meu programa de trabalho. Saber que acompanham pela TV tudo o que fazemos no plenário aumenta as responsabilidades. Mas aumenta também as possíveis articulações do discurso. Como vota o partido Tabajara? Vota sim, senhor presidente.


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