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FERNANDO GABEIRA
Estariam as CPIs roubando audiência das novelas?
A turma do "Casseta & Planeta" esteve no Congresso. Dessa
vez, entrou e, com algumas restrições na Câmara, conseguiu
realizar seu programa. No
mandato anterior, lembro que
não conseguiu cruzar as portas
e teve de gravar entrevistas na
rua.
Eles vieram atraídos pelas
CPIs. Confessaram que passam
grande parte do tempo vendo
as TVs do Senado e da Câmara.
Acham mesmo que elas estão
roubando público da Globo.
Daí a pergunta que nos trouxeram: as CPIs estão roubando
audiência das novelas?
Alguns parlamentares se recusam a falar com o "Casseta".
Outros falam, desde que possam responder com a maior seriedade, como se estivessem
numa entrevista para o jornal
noturno. Finalmente, há a minoria que aceita o tom e consegue rir de sua própria atividade.
Interessante como a presença
do "Casseta & Planeta" mobiliza a segurança. Mesmo os seus
passos permitidos eram observados com cautela, relatados
pelo rádio como se um perigoso
grupo subversivo estivesse prestes a assumir a tribuna e fulminar a todos com uma curta piada.
"Devo tirar ou pôr o careca?",
pergunta o presidente Viajando Henrique Cardoso aos senadores. É a versão do grupo sobre a escolha de Chico Lopes
para o Banco Central. Por que
que as CPIs não têm amor, como nas novelas? Quem vai casar com quem no final?
Dois mundos, dois discursos
mediados pelos seguranças.
Dessa vez, no entanto, pareceram mais próximos. Na verdade, a televisão os aproximou.
De certa forma, estão todos
agora no mesmo ramo, emitindo conceitos políticos e piadas
para todos os cantos do país.
A entrada do "Casseta" no
Congresso quebrou um tabu.
Existem outros que talvez levem décadas para serem quebrados. Um deles é o que nos
obriga a trabalhar de terno e
gravata como um bom europeu, num clima de deserto como é o de Brasília.
O ar-condicionado é superpotente, diria mesmo desregulado. Além disso, foi instalado de
tal maneira que devolve para o
ambiente todos os fungos e bactérias que recolhe na sala, a
ponto de os próprios médicos
aconselharem a não se permanecer muito tempo por ali.
Os problemas começaram
com a própria concepção do
prédio. Deve-se gastar uma fortuna em energia para tocar o
sistema de ar-condicionado.
Mas vivemos num mundo perfeito, vestidos como europeus e
nos envenenando com um ar de
montanhas (as impurezas já
foram medidas por duas empresas especializadas).
O objetivo desse holocausto
respiratório é só um: transmitir
um clima digno e sério ao espaço onde se definem questões
importantes para o país.
Uma grande diferença para
um Parlamento como o de Israel, por exemplo. Cada um vai
vestido como quer. Os temas
são tão graves, há um longo
processo de paz a ser construído e, além disso, há culturas diferentes coexistindo no mesmo
espaço.
Quando se menciona essa
possibilidade, as pessoas reagem horrorizadas. Imaginem:
um gaúcho vestido a caráter,
alguém com um chapéu de cangaceiro -dizem elas-, isso
vai ser um carnaval.
Diante dessa auto-representação problemática, não nos
resta outro caminho a não ser o
modelo europeu, que, pelo menos formalmente, pode nos devolver a idéia da seriedade perdida.
De terno e gravata, dizemos e
cometemos as maiores barbaridades. Basta examinar este
episódio das inúmeras fitas
gravadas no BNDES (Banco
Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social). Revelam
práticas censuráveis, mas, ao
mesmo tempo, suscitam um
macabro festival de quebra de
privacidade, ao que parece planejado no interior do próprio
governo.
A rigor, quem deveria ter medo da política são os humoristas do "Casseta & Planeta", cuja única arma é uma boa piada. A curiosidade e o espanto
com que acompanham os
meandros da vida política expressam apenas a desconfiança
dos milhões de brasileiros
diante de um jogo pesado.
Quem é o Massaranduba, que
vive dando porradas, perto do
deputado Hildebrando Pascoal, acusado de cem mortes,
algumas com esquartejamento?
A pergunta que a turma do
"Casseta" faz (estariam as CPIs
roubando audiência das novelas?) revela, no fundo, um progresso na transparência e divulgação da vida política. A escolha do verbo para formular a
pergunta ainda é sinal dos tempos.
Em duas eleições visitei a redação desses vitoriosos humoristas para apresentar meu
programa de trabalho. Saber
que acompanham pela TV tudo o que fazemos no plenário
aumenta as responsabilidades.
Mas aumenta também as possíveis articulações do discurso.
Como vota o partido Tabajara?
Vota sim, senhor presidente.
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