São Paulo, sexta-feira, 31 de julho de 2009

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Majors investem menos no cinema brasileiro

Mercado de DVD perde R$ 400 milhões e, indiretamente, atinge as produções

Cerca de 70% do dinheiro aplicado em filmes como "Carandiru" e "Se Eu Fosse Você 2" teve origem no faturamento do vídeo


ANA PAULA SOUSA
DA REPORTAGEM LOCAL

A pergunta é quase uma charada: qual a ligação entre o DVD de "Transformers" vendido na barraquinha do camelô e a produção de um filme nacional? A resposta tem certa sisudez: o artigo 3º da Lei do Audiovisual. Mas, como sempre acontece no xadrez da indústria cultural, o dia a dia do público e o labirinto dos negócios estão menos distantes do que se imagina à primeira vista.
Para compreender a resposta enigmática é preciso saber, primeiro, que as vendas de DVDs para locadoras, principal engrenagem do mercado de vídeo, encolheram 45% entre 2006 e 2008. A perda foi da ordem de R$ 400 milhões. E parte desse dinheiro era aplicado na produção de longas-metragens brasileiros.
A base desse mecanismo de financiamento, o artigo 3º, é o imposto pago pelas distribuidoras no momento da remessa de royalties de um filme para a matriz. Quando se associam a um produtor nacional, as empresas obtêm um desconto de 70% no tributo. A princípio, as majors ficaram com o pé atrás. Mas a manobra fiscal mostrou-se um ótimo negócio. Tanto é assim que, dos 10,3 milhões de espectadores que foram assistir a um filme brasileiro no primeiro semestre, mais de 90% compraram ingressos para títulos coproduzidos pelas grifes com sede em Hollywood.
É nesse ponto da história que o cinema nacional e a barraquinha do camelô (e os downloads) se encontram. Segundo Wilson Cabral, diretor da Sony Entertainment, um filme como "Homem Aranha 2", que vendeu 380 mil unidades no varejo, hoje venderia 150 mil. Por que tal queda tem implicação nos filmes nacionais? "Porque de 60% a 70% dos recurso do artigo 3º vinham do home-video", responde Feitosa.
Para não deixar de entrar em certas produções, a Sony pediu um adiantamento à matriz. "Investimos em "As Vidas de Chico Xavier" e "Salve Geral" com empréstimos", diz o diretor-geral da empresa, Rodrigo Saturnino Braga. "Mas, com isso, é natural que a gente arrisque menos."
A Warner, que chegou a aplicar R$ 10 milhões por ano em filmes nacionais, dispõe, agora, de R$ 6 a R$ 8 milhões. "E tivemos uma compensação porque vários de nossos filmes fizeram boa bilheteria no cinema", diz José Carlos Oliveira, diretor-executivo da empresa.
A produtora Sara Silveira, que usou recursos da Warner no inédito "Os Famosos e os Doentes da Morte", lamenta os cifrões perdidos, mas pondera: "A arrecadação diminui porque os DVDs têm preço salgado. Junte-se isso à pirataria e já viu". Sara observa que a queda não é sua "maior preocupação" porque as majors, em geral, não trabalham com filmes autorais, sua principal vocação.
Quem também não vê com maus olhos o novo cenário é Bruno Wainer, diretor da Downtown, distribuidora de filmes nacionais. "Novos mecanismo, como Funcines e Fundo Setorial, compensam a perda", diz. "Como distribuidor brasileiro, não acho ruim que diminua o poder das majors. A prioridade delas, afinal, é o cinema estrangeiro, não o nacional. Há certa esquizofrenia nisso."
Wainer refere-se ao duplo papel das majors: de concorrentes, por dominarem o mercado com blockbusters, e de salvadoras, por colocarem sua máquina a serviço dos filmes nacionais que produzem. É que, ironicamente, quanto mais render "A Era do Gelo 3", mais royalties haverá e mais dinheiro de imposto será revertido para o cinema nacional.


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