São Paulo, sexta, 31 de julho de 1998

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"Postcards de Atacama" é apenas um "arroto"

da Reportagem Local

"Eu gosto de arrotar alto", diz alguém na peça "Postcards de Atacama", repetidamente. A montagem se autodescreve como uma comédia, embora não tenha graça. No desleixo, no arroto, na feiúra, teria talvez a forma de um besteirol -se fosse engraçado.
"Postcards de Atacama" amontoa "lugares-comuns", o que anuncia com orgulho durante a apresentação, e tenta fazer do arroto, da feiúra, supostas qualidades. Qualidades que viriam, anuncia-se, do confronto, até mesmo do "inconformismo".
Mas o inconformismo de fachada nesta peça -como acontece, para deixar um paralelo, com os macetes de um ator maneirista- mais parece um escudo, proteção para esconder o que seria, de fato, verdadeiro e arriscado.
É como um rompante de criança. O inconformismo é dizer a palavra "arroto", o que nem engraçado é. Soa gratuitamente agressivo e, o que é pior, falso.
Mas cada nova fala, no correr da interminável (embora curta) apresentação, vai escondendo os possíveis sinais de verdade com novas tiradas grosseiras ou pseudo-irônicas. Uma cena inteira, por exemplo, com um personagem citando nomes de mulheres conhecidas e fingindo se masturbar.
Não que se passem por ingênuos como crianças, os personagens -na verdade, nem se pode falar em personagens: são caricaturas, tipos sem maior definição, como seria próprio de um besteirol. Os tipos, nada ingênuos, adotam uma "postura rebelde", com gaita, blues, óculos escuros.
Também não se pode falar em trama. Como num besteirol, os quadros tirados do nada -por exemplo, uma paródia da TV- se amontoam, só que aqui nem pelo humor valem.
Por outro lado, em vez de piadas com homossexuais, como no besteirol corriqueiro, piadas com mulheres, com palavrões para vagina.
Na interpretação, maneirismos sem fim. Os atores falam como bêbados. Repetem-se, para preencher o vazio da expressão, nas mesmas contorções, nas mesmas caretas e poses.
Os figurinos são desgastados, até sujos, na verdade, roupas já muito usadas. Sandálias havaianas -é esse, em suma, o inconformismo estético da peça "Postcards de Atacama", autodescrita como "comédia pop".
(NS)


Peça: Postcards de Atacama
Texto e direção: Mário Bortolotto
Quando: qui a sáb, às 21h30; dom, às 20h30
Onde: Centro Cultural São Paulo, sala Paulo Emílio Salles Gomes (r. Vergueiro, 1.000, tel. 011/277-3611)
Quanto: R$ 12



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