São Paulo, sexta, 31 de julho de 1998

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"Casa de Anais Nin' vence o kitsch com humor

da Reportagem Local

O primeiro impacto de "Casa de Anais Nin", peça do brasileiro Chico Azevedo inspirada na relação entre os escritores Ana$s Nin e Henry Miller, é de repulsa. O figurino é de uma afetação de elegância erótica, mas que se mantém mesmo é nos limites de um kitsch constrangido.
Os atores começam a falar e saem não diálogos, mas narrativas. Descrevem-se contos, no ritmo de quem está, como vai a situação da peça, escrevendo em prosa. Ana$s Nin fala e não é para si mesma, menos ainda para o público, ali diante dela: ela está lendo, seu tom é de leitura.
A situação: Ana$s Nin, Henry Miller e um terceiro e fictício autor, Gonçalo, escrevem sem parar contos pornográficos para um velho milionário, que paga muito bem por eles.
Os contos comandam o espetáculo, bem mais do que os conflitos superficiais dos três escritores sobre a literatura por encomenda e coisas assim. Os contos são representados por outros atores -e a repulsa do espectador aumenta. O erotismo é empostado, supostamente poético, mas, na realidade, formal, inibido.
Atrizes e atores cheios de roupa (não há nudez nesta "Casa de Ana$s Nin" estranhamente recatada) se agarram, fazem caras e bocas pelos cantos do palco.
Vai um bom tempo assim o espetáculo. Por exemplo, com a cena de um "hermafrodita, ao mesmo tempo homem e mulher", que se lamenta dizendo que, ao nascer, "pensaram que eu era um monstro" -enquanto duas mulheres, em lingerie preta, fazem poses supostamente sensuais.
É pavoroso, até que entra outro conto e uma atriz, Miwa Yanagizawa, explica ao espectador que não é bem assim.
Ela faz, com inesperado e envolvente humor, uma mulher sendo bolinada -até o orgasmo- num vagão lotado de metrô. "Casa de Ana$s Nin", entende-se afinal, é uma comédia.
A sensualidade vestida dos atores, seu sexo simulado, sua excitação de araque não tinham mesmo como não ser comédia. Então crescem todos, de Walney Costa (um Henry Miller afinal sarcástico e vigoroso, "manly") aos intérpretes dos contos -e até Lucélia Santos, em que pese seu bom-mocismo sempre presente.
Os atores todos adquirem uma ironia no falar e no olhar de que antes não se tinha sinal. E os contos encenados ganham caráter de quadros de farsa. É quando o velho milionário exclama, ao receber e "ler" um novo conto encomendado: "Agora está muito melhor". E estava, de fato.
O espetáculo passa a funcionar e, até o final, o que antes era constrangedor passa a fazer sentido. Até o sexo simulado, com cenas mais chocantes, inclusive de homossexualismo, torna-se verdadeiro -e ganha, sobretudo, a poesia de que Lucélia Santos/Ana$s Nin falava no início, quando o que menos se via era poesia.
Ainda assim, não é um grande texto de teatro, com toda a sua prosa de leitura, nem uma encenação especialmente criativa. Cenário e figurinos, não tem jeito, são de doer. Mas se entende, encerrada a apresentação, por que "Casa de Ana$s Nin" permaneceu (com outro elenco, segundo se informa) longos nove meses em cartaz, no Rio de Janeiro.
(NS)


Peça: Casa de Ana$s Nin
Direção: Ticiana Studart
Quando: sex. e sáb., às 21h; dom., às 18h
Onde: Teatro Hilton (av. Ipiranga, 165, tel. 011/259-6508)
Quanto: R$ 15 (sex.), R$ 25 e R$ 30 (sáb.)
Patrocinador: Embratel



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