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CINEMA - ESTRÉIA
O 4º poder
INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema
A grande contribuição do grego
Constantin Costa-Gavras ao cinema é, possivelmente, sua capacidade de expor, de maneira simples
e didática, os problemas gerados
pelas ditaduras de esquerda e de
direita.
Como elas já não existem, ou
quase, Costa-Gavras voltou-se
agora para o que se pode chamar
de ditadura democrática: o brutal
poder da mídia (ou seja, a TV) de
moldar os acontecimentos.
Para tanto, Costa-Gavras realizou um "remake" de "A Montanha dos Sete Abutres" (1951), em
que Billy Wilder narrava os esforços de um repórter de jornal (Kirk
Douglas) para transformar o desabamento de uma mina em caso
nacional e, assim, voltar a trabalhar em um grande veículo.
Exatamente o mesmo problema
de Max Brackett (Dustin Hoffman), repórter de TV em baixa,
confinado ao noticiário local.
A sorte sorri para Brackett:
quando faz uma anódina reportagem sobre um museu com dificuldades financeiras, o prédio é invadido pelo ex-segurança Sam Baily
(John Travolta). Armado, Baily
quer, basicamente, falar com a diretora da instituição e retomar seu
emprego.
Como nesse exato momento o
prédio é visitado por um grupo de
crianças, a entrevista transforma-se em sequestro. E a modesta
reportagem de Brackett transforma-se num "caso nacional".
A partir daí, a mídia entra em
questão, pois Brackett trata de
controlar Baily, a fim de que a reportagem renda pelo maior tempo
possível.
Logo torna-se uma espécie de assessor de marketing do sequestrador, que não passa de um pai de
família tão burro quanto desnorteado. Ou seja, trata-se de ensinar
Baily a construir sua imagem (o
mesmo, em linhas gerais, que
"marketeiros" costumam fazer
com políticos).
Do outro lado, existe a oposição:
a polícia, disposta a fazer picadinho do sequestrador, e um famoso
âncora de TV (Alan Alda), que
tenta cavar uma boquinha no
grande caso e, se possível, fazer picadinho de Brackett.
As principais virtudes de Costa-Gavras em seus melhores filmes
("Z" e "A Confissão") estão ali:
uma grande clareza de exposição,
uma grande capacidade de reduzir
um problema complexo a seus dados mínimos, de maneira a comunicá-los com o mínimo de ambiguidade possível a seu espectador.
O problema, com Costa-Gavras,
é que suas maiores qualidades são,
igualmente, seus grandes defeitos.
É fato que a televisão, a cada caso
que narra, manipula a imagem: escolhe os entrevistados, seleciona
os trechos mais adequados de suas
falas etc. Os jornais também fazem
isso, por certo, embora não tenham a seu favor as imagens (e o
peso de verdade que elas transmitem).
A questão, porém, é outra: seria
o cinema tão diferente da TV? Sabe-se que não. Aliás, a idéia de
montagem (seleção de material,
escolha de determinada realidade
a narrar) vem do cinema. A TV
apenas herdou-a.
O problema não é, portanto,
praticar um jornalismo (de TV ou
não) mais ou menos verdadeiro,
mais ou menos humano. E sim:
como viver em um mundo dominado pelas imagens? Ou ainda: como estabelecer a verdade -ou,
mais modestamente, os fatos-
num mundo em que já é tão difícil
distinguir os fatos de suas versões?
É a partir daí que o didatismo, a
clareza e a capacidade de impacto
de Costa-Gavras tendem a se auto-anular. Ao reduzir um problema complexo à sua expressão mais
simples, em vez de permitir que as
várias versões se friccionem e se
choquem e que nos seja dado ver o
caos das coisas -como, digamos,
faz Orson Welles em "Cidadão
Kane"-, "O Quarto Poder" termina nos oferecendo um mundo
"prêt-à-porter": ajustado, organizado e lógico, mas tão superficial
quanto aquilo que ataca.
Filme: O Quarto Poder
Produção: EUA, 1997
Direção: Constantin Costa-Gavras
Com: John Travolta, Dustin Hoffman
Quando: a partir de hoje, nos cines
Gazetinha, Belas Artes - sala Aleijadinho,
Morumbi 5 e circuito
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