São Paulo, Sábado, 31 de Julho de 1999
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Livro busca a mulher na obra de Lima Barreto

MARILENE FELINTO
da Equipe de Articulistas

A literatura de Lima Barreto (1881-1922) é o objeto de investigação do livro "Entre a Agulha e a Caneta - A Mulher na Obra de Lima Barreto", da pesquisadora Eliane Vasconcellos, originalmente apresentado como tese de doutorado ao departamento de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, há quase dez anos.
O estudo tem o objetivo de encontrar, na obra do escritor, um reflexo da condição social da mulher brasileira na virada do século 19. Para tanto, Eliane Vasconcellos percorreu os textos de ficção (romances e contos) e os de não-ficção (crônicas, notas, apontamentos de diário e correspondências) do autor de "Triste Fim de Policarpo Quaresma" (1915).
A pesquisadora explica: "(...) a escrita de Lima Barreto sempre esteve a favor dos oprimidos, dos humilhados, dos esquecidos pela sociedade. (...) O sentido da escravidão social da alma humana que traspassa a obra de Lima Barreto despertou-nos o interesse de nela estudar a situação da mulher nas suas personagens. (...)."
Vasculhando a literatura limabarretiana, Vasconcellos acaba apresentando, ao mesmo tempo, uma perspectiva histórico-sociológica do lugar da mulher na sociedade brasileira da época. Sua análise abre-se para vasta gama de assuntos: o casamento como transação comercial, em que a mulher é objeto de troca, o papel de rainha do lar, a prostituição, o lugar relegado às solteiras, o adultério, a virgindade e a lenta conquista da educação e do trabalho.
O romance social de Lima Barreto sempre caiu como uma luva às especulações da sociologia da literatura. Mulato pobre, criado no subúrbio carioca, o escritor anti-parnasiano e pré-modernista comeu o pão que o diabo amassou para ganhar o reconhecimento e o prestígio que merecia. Toda a sua obra é uma crítica -às vezes irônica, às vezes amarga- das injustiças e desigualdades sociais que ele experimentou na pele.
A tese de Eliane Vasconcellos -ao revelar um Lima Barreto ao mesmo tempo crítico do lugar subalterno reservado às mulheres de sua época, mas conservador ao se posicionar contra a educação formal das mesmas- aponta as contradições internas da ideologia do autor tido (talvez injustamente) como um "ressentido" com o mundo e um autêntico resistente à modernização.
Se, como diz a autora, o narrador de "Triste Fim" acusa a sociedade e seus preconceitos pelo que ocorreu a Ismênia (que enlouqueceu ao ser abandonada pelo noivo), o escritor foi incapaz de enxergar benefícios no surgimento dos colégios religiosos para a educação de moças.
"Embora o autor em suas crônicas tenha lutado por melhores oportunidades educacionais para o sexo feminino, não colocou esta denúncia na voz de suas personagens. (...) Os narradores de Lima Barreto não colocaram a mulher, neste aspecto, no mesmo pé de igualdade com o homem, mas como um ser inferior", a pesquisadora conclui.
Seja como for, o estudo de Eliane Vasconcellos restringe-se ao campo ideológico, não aborda o campo estilístico da obra de Lima Barreto, ele que foi um dos mais importantes renovadores da nossa literatura.


Avaliação:    


Livro: Entre a Agulha e a Caneta Autora: Eliane Vasconcellos Lançamento: Lacerda Quanto: R$ 28 (370 págs.)

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