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A RESENHA DA SEMANA
Novo modelo latino
BERNARDO CARVALHO
Colunista da Folha
No início dos anos 70, quando os thrillers políticos de Costa-Gavras eram proibidos em
países como o Brasil, o chileno
Ariel Dorfman ficou conhecido
como co-autor (ao lado de Armand Mattlelart) de uma pequena crítica do imperialismo
cultural americano, "Para Ler o
Pato Donald" (1971), adotada
como bíblia nas escolas de comunicação.
Na época, não era raro acreditar na arte como forma de resistência e os cinéfilos mais radicais costumavam apontar
nos filmes de Costa-Gavras
uma contradição entre forma e
conteúdo, o oportunismo de
apelar às formas mais convencionais do cinema americano
para narrar histórias que se
pretendiam "politicamente revolucionárias".
Os que defendiam uma idéia
mais ampla (e mais estética) de
revolução, a utopia romântica
de uma revolução pela arte
(Godard), se mantinham em
guerra contra os que se contentavam com o cinema como
simples meio de comunicação
de uma mensagem (Costa-Gavras).
Só por algum tipo de cegueira
passaria pela cabeça de alguém
alinhar o autor de "Para Ler o
Pato Donald" com os radicais
adeptos de uma utopia estética.
Tudo na obra de Dorfman, culminando com o sucesso da peça "A Morte e a Donzela"
(1991), o aproxima de uma
idéia da arte como meio de
transmissão de mensagens -e
isso mesmo quando parece estar "inovando" na forma, "trabalhando a linguagem".
É o caso do romance "Konfidenz", de 95, que tenta seguir
os rastros de glória de "A Morte
e a Donzela", premiada em
Londres e montada na Broadway com elenco cinematográfico, para terminar adaptada para o cinema por Roman Polanski, com Sigourney Weaver.
Assim como a peça, o romance de Dorfman também tem
uma estrutura dramática que
privilegia a intriga e as reviravoltas teatrais, uma estrutura
feita de diálogos que expõem
uma parábola política: a ambiguidade do poder se manifestando em relações pessoais, de
dependência e de confiança,
em manipulações em que não
se sabe mais quem é o algoz e
quem é a vítima.
Em "A Morte e a Donzela",
uma ex-presa política, traumatizada e recolhida com o marido a uma casa de praia, passa
de vítima a torturadora ao reconhecer no sujeito que agora
vem bater à sua porta, por acaso, no meio da noite, pedindo
ajuda porque um pneu furou, o
homem que a havia torturado
anos antes.
Em "Konfidenz", uma fotógrafa alemã chega a Paris meses antes da invasão nazista, em
1939, para se encontrar com o
namorado, um resistente alemão refugiado na França. Ao
entrar no quarto do hotel, recebe o telefonema de um estranho que lhe revela que o namorado corre perigo de vida. Entre desconfiança e sedução, os
dois passam nove horas conversando ao telefone, até serem
interrompidos pela polícia.
Ariel Dorfman, 57, nasceu na
Argentina e é cidadão chileno,
mas sua formação é americana,
como fica claro em seu livro de
memórias "Uma Vida em
Trânsito". Em 1973, exilou-se
nos Estados Unidos. Hoje é
professor na prestigiosa Duke
University e milita a favor dos
direitos humanos. É interessante, a julgar pelo caso desse
autor, notar que espécie de literatura latino-americana é possível hoje aos olhos de um mercado dominado pelo "modelo
de cotas" americano.
Na contracapa da edição brasileira de "Konfidenz", Salman
Rushdie diz que Dorfman é
"uma das vozes mais importantes da América Latina". O
romance latino-americano parece ter encontrado afinal uma
imagem internacional para
substituir o exotismo fácil e
desgastado do realismo mágico
que, aliás, o próprio Rushdie
professa.
Os clichês políticos do continente servem agora de base para a busca de uma eficiência
dramatúrgica em que a forma é
uma fórmula de sobressaltos
teatrais: o romance reduzido a
mero roteiro de cinema.
É esse mesmo parâmetro literário, essa perspectiva da eficiência dramatúrgica, que permite, por exemplo, ao roteirista
de Kubrick em "De Olhos Bem
Fechados" afirmar, na maior
cara-de-pau, que a pequena
obra-prima de Arthur Schnitzler, "Traumnovelle" (1926),
em que se baseou a adaptação
do filme, é um livro "muito literário" e "pouco convincente",
porque "não há muita progressão".
Perdeu-se a idéia da arte como resistência às regras, invenção de novos horizontes. Reduzida a meio e mensagem, a ela
só resta se adaptar à norma de
uma eficiência de comunicação.
"Konfidenz" é uma tentativa
de cumprir as expectativas dos
novos tempos. Mas o mais engraçado é que nem mesmo pelos critérios dessa eficiência
dramatúrgica o romance consegue escapar ileso. Comparado a "A Morte e a Donzela",
por exemplo, "Konfidenz" é,
como poderia dizer o roteirista
de Kubrick, e dessa vez com
propriedade, "pouco convincente".
Avaliação:
Livro: Konfidenz
Autor: Ariel Dorfman
Tradução: Marcos de Castro
Lançamento: Record
Quanto: R$ 20 (174 págs.)
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