São Paulo, sexta-feira, 31 de agosto de 2007

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Ang Lee esquenta Festival de Veneza

Após o premiado "Brokeback Mountain", cineasta retorna com violência e erotismo, em "Lust, Caution"

PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

O contraste foi interessante. Após uma abertura morna, com os meios-tons do insosso "Desejo e Reparação", de Joe Wright, o Festival de Veneza esquentou ontem com "Lust, Caution" (luxúria, precaução), de Ang Lee.
Ambos são filmes de época adaptados de fonte literária, majoritariamente bancados por um grande estúdio americano (Universal). Mas os resultados, opostos, são o reflexo do talento de seus diretores.
Apesar da elaborada reconstituição da China dos anos 40, Ang Lee não deixa cenários e figurinos se sobreporem à força da narrativa, de alto teor violento e erótico. De volta a Veneza dois anos após ter recebido o Leão de Ouro por "O Segredo de Brokeback Mountain", ele confirma o desejo de exercitar a versatilidade experimentando um gênero inédito em sua carreira (o thriller político). No fundo, porém, não se afasta daquilo que realmente domina: "Lust, Caution" está agarrado às raízes do melodrama e das histórias de amor impossíveis.
A ação se passa na China dos anos 40, sob a violenta ocupação japonesa. Com o objetivo de arrancar informações para um grupo de resistência, a jovem Wong Chia Chi (Tang Wei) aproxima-se do senhor Yee (Tony Leung), colaboracionista do governo japonês.
O filme só decola quando, entre os dois, surge uma relação erótica, filmada de forma quase explícita, em cenas que deram o que falar. A violência também explode de forma brutal, como em nenhum outro filme de Lee.
É possível que o teor de "Lust, Caution" cause problemas para o lançamento na China. Jornalistas apostaram, em Veneza, que ele não será liberado sem cortes no país -se não for proibido. Nos EUA, foi proibido para menores de 17 anos.
Na concorrida entrevista coletiva do filme, Lee disse não se importar com os riscos. "O que me interessava era a complexidade do desejo sexual e a relação ambígua entre os personagens. Filmei como achei necessário para contar isso."
Nascido em Taiwan -país que tem uma difícil relação política com a China- e criado nos EUA, Lee contou que seu novo trabalho representou uma aproximação às suas origens de forma mais realista. "Com o filme, descobri um país distante da China romântica contada por meus pais."

Nova versão
Outro thriller, de natureza muito diferente, completou os filmes em competição ontem: o britânico "Sleuth", de Kenneth Branagh, narra o embate psicológico entre um homem mais velho, escritor de policiais, e o amante de sua mulher, um ator.
"Sleuth" (detetive), é, na verdade, uma nova versão para o cinema de uma peça de Anthony Shaffer (roteirista de "O Homem de Palha"), adaptada pela primeira vez em 1972 pelo mestre Joseph L. Mankiewicz.
A nova versão traz uma divertida revisão de papéis: Michael Caine, que em 1972 interpretou o jovem amante, contracenando com Laurence Olivier, assume agora o papel do escritor enciumado, enquanto Jude Law, que há pouco viveu um personagem criado por Caine em "Alfie", vive o jovem ator.
"Sleuth" tem seu ponto forte no roteiro, assinado pelo dramaturgo Harold Pinter. Se o filme original tinha mais de duas horas e vários personagens, o novo é bem mais concentrado, com menos de 90 minutos de um diálogo afiado entre machos feridos. "Pinter transformou a obra completamente, e só por isso me interessei em fazer. Não vejo sentido em remakes", disse Michael Caine.


O jornalista PEDRO BUTCHER se hospeda a convite do Festival de Veneza.


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