São Paulo, sexta-feira, 31 de agosto de 2007

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Cinema/estréia

Longa troca tráfico pela família

Derivado de "Cidade de Deus", filme "Cidade dos Homens" busca "caminho humano", afirma diretor

Título, que estréia hoje, encerra história da série exibida na Globo; para diretor, o programa foi "cinema que passou na TV"

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

O longa-metragem "Cidade dos Homens", de Paulo Morelli, que estréia hoje em 160 cinemas, conclui a trajetória que os garotos Laranjinha (Darlan Cunha) e Acerola (Douglas Silva) percorreram na Globo, de 2002 a 2005, em série derivada do filme "Cidade de Deus" (2002), de Fernando Meirelles, sócio de Morelli na O2 Filmes.
"A série foi cinema que passou na TV e volta agora para o cinema, sendo cinema", afirma Morelli. Se o parentesco com o título do sócio era óbvio, Morelli diz que "o desafio de "Cidade dos Homens" era não fazer um "Cidade de Deus - Parte 2", porque isso era o que eu e Fernando [Meirelles] não queríamos".
A alternativa do diretor foi "buscar o caminho humano", em detrimento do retrato do tráfico de drogas e da violência descrito em "Cidade de Deus".
Os temas da amizade e da família -e seus conflitos- saltaram ao centro da trama de "Cidade dos Homens". No entanto, a presença do tráfico está longe de ser acessória no filme.
A guerra entre os bandos de Madrugadão (Jonathan Haagensen) e Nefasto (Eduardo BR) ocupa boa parte das cenas e move os acontecimentos que acuam Laranjinha e Acerola a um aparente beco sem saída, quando põem em xeque a própria amizade.
Morelli afirma que, mais do que "ser legítimo usar a questão do tráfico" como pano de fundo da história dos moradores da favela, ele "seria omisso" se não o fizesse.
"Nunca tinha entrado numa favela, até decidirmos fazer a série "Cidade dos Homens", já pensando no filme como encerramento dela. Fiz dezenas de entrevistas com moradores. Todas esbarravam no tráfico, mesmo que eu não perguntasse nada a respeito. Estou sendo fiel a tudo que ouvi", diz.
O diretor desenvolveu o roteiro com Elena Soárez ("Eu, Tu, Eles"). A primeira coisa que os dois definiram foi a cena final, que consagra um núcleo familiar não-convencional como desfecho para os dilemas em torno da paternidade que atormentam Laranjinha e Acerola ao longo do filme.
Laranjinha parte em busca do pai, que desconhece; enquanto Acerola resiste à responsabilidade de criar o filho. O percurso é recheado por cenas em "flashback" exibidas na série, em que "essa questão foi plantada, já pensando no longa", segundo o diretor.
Morelli diz que "a temática da paternidade, do legado, daquilo que se se deixa e de por que se é lembrado" é o tema que pretende trabalhar "de agora em diante". Ele tem três sinopses já engatilhadas e pretende chegar a um conjunto de sete roteiros sobre o tema.
Em "Cidade dos Homens", ao retratar a ausência da figura paterna e o desconhecimento de sua identidade, Morelli se baseou numa experiência comum aos intérpretes dos protagonistas e à maioria dos jovens que ele conheceu na favela.
"Até hoje a gente sente muita necessidade de ter um pai. Quando a gente tinha 16 anos, no Dia dos Pais a gente foi para a igreja e chorou que nem criança", conta Darlan.
Na opinião dos atores, o final feliz com a família não-convencional que o filme propõe não é suficiente na prática. "Acho que outra pessoa não pode suprir a falta da mãe ou do pai. Isso sempre vai ter um reflexo na vida de uma criança", diz Douglas, que está noivo há dois anos e pretende se casar em breve. "Sempre quis ter um filho, a minha família", diz.
Morelli avalia que "o Brasil é um país muito irresponsável, em que as pessoas vão tocando o barco numa voracidade e sem pensar nas conseqüências", mas diz que, em "Cidade dos Homens" e nos próximos longas que pretende fazer em torno da paternidade, não pretende "dizer como deve ser, mas mostrar como tem sido".


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