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CRÍTICA
Série traz imperador do mundo em chinelos
BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA
Enquanto a eleição presidencial dos EUA se desenrola num clima de suspeitas de irregularidades, na ala oeste da Casa
Branca tudo vai bem. O presidente é um homem forte, sábio e
humano. De modos meio caipiras, ele parece seu vizinho de
porta; mas na hora em que conversa com os líderes mundiais,
seu espírito atilado se revela.
Estamos falando de Jed Bartlet,
o democrata à frente do governo
norte-americano em "The West
Wing". É uma daquelas séries
multiplamente indicada e vencedora de Emmys, um seriado top
de linha, exibido pela Warner e
pelo SBT. Há atores interessantes, vindos do cinema e do teatro.
A primeira-dama, por exemplo,
é interpretada pela excelente
Stockard Channing, do emblemático "Seis Graus de Separação". Bartlet é um Martin Sheen
bem mais pesado, mas muito
menos atormentado do que
aquele que infartou ao viver o
Marlowe de "Apocalipse Now".
Os roteiros, mesmo já entrando na sexta temporada (aqui, a
começar no mês que vem; nos
EUA, acabando em março), são
produto da melhor escola norte-americana de histórias seriadas.
Há diversidade de caracteres, verossimilhança, referências pop e
da alta cultura, ritmo, coerência,
emoção. O texto joga com inteligência com o circunstancial -os
acontecimentos poderiam estar
acontecendo hoje, mas Bartlet
não é bem Bush nem o anti-Bush- e com aquilo que se quer
entender como um "universal"
da figura do presidente dos EUA.
Tudo muito correto, charmoso, esperto. De onde vem a sensação de absurdo que emana dos
episódios de "The West Wing"?
Se é verdade que a ficção é um
terreno de invenção, também parece correto afirmar que os limites daquilo que se engole estão
traçados, com tinta invisível. A
idéia de dramatizar a vida do governante máximo de uma nação
e de "espiar" ficcionalmente os
bastidores do gabinete presidencial pode ser atraente, mas será
que o esforço vale? Há um problema de credibilidade, mas há
sobretudo um problema de intenções nisso. O espectador não-americano fica se perguntando
para quê querem me contar isso?
É curioso que a indústria do
entretenimento ocidental ria-se
tanto da cultura produzida pelo
realismo socialista. Há mais pontos em comum do que faz supor
o abismo técnico e no fator diversão entre uma e outra. O forte
compromisso ideológico de ambas, embora atuem em direções
aparentemente opostas, por
exemplo. O didatismo imbecilizante. A imposição de valores indiscutíveis. Só que enquanto os
hinos, pôsteres e peças de teatro
edificantes do realismo socialista
tangenciavam a caricatura, a máquina do entretenimento utiliza
disfarces cada vez mais diversos e
criativos.
A agenda de "The West Wing"
é clara: trata-se de mostrar o imperador do mundo em chinelos,
realçar sua humanidade e, sobretudo, convencer da inevitabilidade de suas decisões, quaisquer
que sejam. Em outras palavras,
de despolitizar a política.
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