São Paulo, segunda-feira, 31 de outubro de 2005

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ERUDITO/CRÍTICA

"Candide" leva ironias e espantos ao Teatro Municipal

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

Nem o transcendental otimista, Dr. Pangloss, poderia dizer que "tudo foi para melhor, no melhor dos mundos", depois da estréia de "Candide", na última sexta, no Teatro Municipal. O que não quer dizer que esta montagem da ópera de Leonard Bernstein (1918-90), dirigida por Jorge Takla e regida por José Maria Florêncio, não tenha muitas virtudes -especialmente musicais.
Que ótima surpresa, antes de mais nada, ver a Sinfônica Municipal tocando assim. Antes de mais nada: desde a famosa "Abertura", o regente cearense, radicado há 20 anos na Polônia, fez a orquestra tocar com eletricidade e precisão. E esse vigor não se perdeu ao longo das mais de duas horas de música. Pode não ser ainda a melhor orquestra no melhor dos mundos, mas já não era a acomodada pequena versão de si mesma que parecia ter encarnado até bem pouco, sob os bem-intencionados elogios da geral.
Quando as vozes entraram, não houve espanto em ver que Rosana Lamosa (Cunegunda) e Fernando Portari (Candide) continuam em grande forma; entra ano e sai ano, o casal, este sim, mantém sua arte no melhor do seu melhor. Vale o mesmo para o barítono Sandro Christopher (Pangloss e Martin). E o trio vinha bem acompanhado por Regina Elena Mesquita (Velha Senhora), Paulo Queiroz (Governador), Sebastião Teixeira (Maximilian) e Dênia Campos (Paquette), mais um quinteto de coadjuvantes, sem falar no Coral Lírico e num pequeno corpo de baile.
O espanto era a amplificação. Toda a montagem, descrita em entrevistas como um "concerto encenado", tende mesmo é para o musical; até a tradução do texto -cantado em português na versão muito boa de Claudio Botelho, que preserva rimas e consegue manter um engenhoso registro popular a maior parte do tempo- sinaliza a vontade de fazer um espetáculo mais acessível. A amplificação das vozes tem a ver com isto, favorecendo, em particular, a compreensão dos diálogos (bem como da narrativa, lida pelo ator Luiz Guilherme, com direito a despretensiosos toques de atualização brasileira).
O resultado pode ser resumido em dois pontos: a gama de dinâmicas empobreceu muito (quase tudo soa "mezzo-forte") e a localização espacial das vozes ficou estranhamente restrita a um ponto no centro e acima da boca de cena. Tudo parece vir de lá, não importa onde estejam os cantores -o que cria uma estranha distância entre o palco e a platéia.
Se as ironias do "Candide" original de Voltaire (1694-1778) têm sua imprevista e incrível atualização nas ironias de Bernstein, desfiando prodígios de estilização (das árias rossinianas aos corais à maneira de seu professor Randall Thompson), não se pode dizer o mesmo, com tanta segurança, da tradução cênica de um e outro aqui. Ela sofre da rotineira dramaturgia caricata que segue sendo uma língua franca da ópera. E, com isso, mesmo os cenários e figurinos, inspirados em Matisse -o artista da felicidade-, não acabam ganhando uma conotação quase infanto-juvenil?
Mas enfim: estão plantando de novo no nosso jardim. É um bom sinal. E boa hora para definir, daqui para a frente, o que se quer.


Candide
    Quando: dias 1º, 3 e 5, às 20h30
Onde: Teatro Municipal (pça. Ramos de Azevedo, s/nº, tel. 0/xx/11/3222-8698)
Quanto: de R$ 40 a R$ 80


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