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ERUDITO/CRÍTICA
"Candide" leva ironias e espantos ao Teatro Municipal
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Nem o transcendental otimista, Dr. Pangloss, poderia dizer que "tudo foi para melhor, no
melhor dos mundos", depois da
estréia de "Candide", na última
sexta, no Teatro Municipal. O que
não quer dizer que esta montagem da ópera de Leonard Bernstein (1918-90), dirigida por Jorge
Takla e regida por José Maria Florêncio, não tenha muitas virtudes
-especialmente musicais.
Que ótima surpresa, antes de
mais nada, ver a Sinfônica Municipal tocando assim. Antes de
mais nada: desde a famosa "Abertura", o regente cearense, radicado há 20 anos na Polônia, fez a orquestra tocar com eletricidade e
precisão. E esse vigor não se perdeu ao longo das mais de duas horas de música. Pode não ser ainda
a melhor orquestra no melhor dos
mundos, mas já não era a acomodada pequena versão de si mesma
que parecia ter encarnado até
bem pouco, sob os bem-intencionados elogios da geral.
Quando as vozes entraram, não
houve espanto em ver que Rosana
Lamosa (Cunegunda) e Fernando
Portari (Candide) continuam em
grande forma; entra ano e sai ano,
o casal, este sim, mantém sua arte
no melhor do seu melhor. Vale o
mesmo para o barítono Sandro
Christopher (Pangloss e Martin).
E o trio vinha bem acompanhado
por Regina Elena Mesquita (Velha Senhora), Paulo Queiroz (Governador), Sebastião Teixeira
(Maximilian) e Dênia Campos
(Paquette), mais um quinteto de
coadjuvantes, sem falar no Coral
Lírico e num pequeno corpo de
baile.
O espanto era a amplificação.
Toda a montagem, descrita em
entrevistas como um "concerto
encenado", tende mesmo é para o
musical; até a tradução do texto
-cantado em português na versão muito boa de Claudio Botelho, que preserva rimas e consegue manter um engenhoso registro popular a maior parte do tempo- sinaliza a vontade de fazer
um espetáculo mais acessível. A
amplificação das vozes tem a ver
com isto, favorecendo, em particular, a compreensão dos diálogos (bem como da narrativa, lida
pelo ator Luiz Guilherme, com direito a despretensiosos toques de
atualização brasileira).
O resultado pode ser resumido
em dois pontos: a gama de dinâmicas empobreceu muito (quase
tudo soa "mezzo-forte") e a localização espacial das vozes ficou estranhamente restrita a um ponto
no centro e acima da boca de cena. Tudo parece vir de lá, não importa onde estejam os cantores
-o que cria uma estranha distância entre o palco e a platéia.
Se as ironias do "Candide" original de Voltaire (1694-1778) têm
sua imprevista e incrível atualização nas ironias de Bernstein, desfiando prodígios de estilização
(das árias rossinianas aos corais à
maneira de seu professor Randall
Thompson), não se pode dizer o
mesmo, com tanta segurança, da
tradução cênica de um e outro
aqui. Ela sofre da rotineira dramaturgia caricata que segue sendo uma língua franca da ópera. E,
com isso, mesmo os cenários e figurinos, inspirados em Matisse
-o artista da felicidade-, não
acabam ganhando uma conotação quase infanto-juvenil?
Mas enfim: estão plantando de
novo no nosso jardim. É um bom
sinal. E boa hora para definir, daqui para a frente, o que se quer.
Candide
Quando: dias 1º, 3 e 5, às 20h30
Onde: Teatro Municipal (pça. Ramos de
Azevedo, s/nº, tel. 0/xx/11/3222-8698)
Quanto: de R$ 40 a R$ 80
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