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LIVROS
"Eu conheci a fome", diz Nobel francês Le Clézio
Escritor lança "Refrão da Fome", que retrata França durante a Segunda Guerra
Autor premiado em 2008
diz que se inspirou em memórias, mas nega caráter autobiográfico da obra; "Pawana" também é lançado
MARCOS STRECKER
DA REPORTAGEM LOCAL
Prêmio Nobel de Literatura
de 2008, Jean-Marie Gustave
Le Clézio, 69, é um dos franceses mais traduzidos no exterior. Ainda assim, sua variada e
extensa obra (romances, contos, memórias, ensaios) é relativamente desconhecida no
Brasil, onde poucos de seus títulos estão disponíveis.
Preenchendo parcialmente
essa lacuna, a Cosac Naify lança
"Refrão da Fome" (248 págs.,
R$ 49), romance mais recente,
e "Pawana" (64 págs., R$ 42,
ambos com tradução de Leonardo Fróes), novela inspirada
em um navegador do século 19
que se arrepende do passado de
caça às baleias.
Le Clézio nasceu em Nice
(França) e passou a infância na
Nigéria. Sua família tem ligações com Maurício, antiga colônia britânica no Oceano Índico.
É estudioso da cultura mexicana e tem seu nome cada vez
mais associado ao movimento
ecológico. Divide atualmente
seu tempo entre Albuquerque
(EUA), Nice e Maurício.
Em entrevista, fala sobre seu
último livro, comenta a inspiração autobiográfica e critica a
discriminação na França contra autores não francófonos.
FOLHA - "Refrão da Fome" é inspirado na sua mãe, assim como "O
Africano" (Cosac Naify, de 2004) tinha seu pai como referência. A história familiar está ocupando um espaço maior na sua obra?
J.M.G. LE CLÉZIO - Não são livros
autobiográficos. Queria lidar
com a minha percepção, quando criança, da colonização britânica na Nigéria. Em "Refrão
da Fome", queria lidar com a
ideia de heroísmo -a guerra
vista por uma jovem de 20
anos. Mas naturalmente utilizei minhas memórias pessoais.
Como dizia Proust, sempre fui
incapaz de imaginar e me inspirei sobretudo nas lembranças.
FOLHA - "A Quarentena" (Companhia das Letras, de 1995) teve inspiração em Euclydes da Cunha. Literaturas como a brasileira, que têm a
fome como um tema importante,
influenciaram sua obra?
LE CLÉZIO - Claro, como todos da
minha geração, eu conheci a fome. Li recentemente um livro
de Joseph Brodsky, "On Grief"
(sobre a tristeza), no qual se
evoca também essa lembrança
na Alemanha, logo após a guerra. Acho que ter vivenciado isso
o torna mais sensível ao que diz
a literatura dos países em que a
fome é endêmica, como acontece no Brasil, mas também na
África, e na Europa do pós-guerra -penso em Pasolini.
FOLHA - O sr. assinou um manifesto em favor de uma "literatura-mundo", contra a exclusão de autores francófonos "exóticos". A França
é hoje um país mais intolerante?
LE CLÉZIO - A França não é um
país intercultural, como a Bolívia ou Maurício. Nem é multicultural, como os EUA e o Brasil. É difícil expressar diferenças. Muitas vezes você é relegado a um papel de autor marginal, exótico. O mérito do manifesto foi fazer as pessoas ouvirem esse protesto. O hábito da
monocultura, do centralismo, é
difícil de ser mudado.
FOLHA - O sr. cresceu convivendo
com duas línguas, o francês e o inglês. Já pensou em escrever em inglês? Como o sr. enxerga a literatura
bilíngue de autores como Nabokov?
LE CLÉZIO - Escrever em inglês
teria me dado prazer. Li mais livros em inglês do que em qualquer outra língua. É preguiça
ou incapacidade? Optei por minha língua materna. Mas admiro a aventura de Beckett ou de
Conrad, a mesma de autores
"francófonos" obrigados a escrever em uma língua estrangeira, já que não podem usar
francês crioulo ou mandingo.
FOLHA - O sr. viveu em vários países e é atraído por outras culturas. O
"multiculturalismo" é uma tendência para a literatura? Qual é o papel
do nacionalismo?
LE CLÉZIO - Compartilho com o
historiador [mexicano] Luis
González y González da convicção de que o nacionalismo traz
o risco do "enclausuramento",
e que mais importante do que
ensinar às crianças a história
das guerras e das conquistas é
ensinar como foi a descoberta
da agricultura, das técnicas e
das leis sociais universais. Sou
um idealista incorrigível?
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