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Crítica
Em filme premiado, Haneke investiga gênese do mal em um vilarejo alemão
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
Quem já viu algum filme
do diretor Michael Haneke ("Código Desconhecido", "A Professora de Piano", "Caché") sabe que
ele faz o que se pode chamar de
cinema da crueldade.
O título de seu primeiro trabalho a causar impacto por
aqui, "Funny Games" (1997),
foi impropriamente traduzido
por "Violência Gratuita". Ora, o
que a obra de Haneke mostra, e
"A Fita Branca" confirma, é que
nenhuma violência é gratuita.
O problema é que suas origens
são, muitas vezes, nebulosas.
O cenário de "A Fita Branca"
é um vilarejo do norte da Alemanha, às vésperas da Primeira
Guerra Mundial. Nesse ambiente bucólico, onde todos se
conhecem e os personagens são
referidos simplesmente como
"a parteira", "o barão" ou "o
pastor", começam a acontecer
fatos estranhos, pequenas e
grandes maldades de autoria
desconhecida que, juntas, configuram um clima sinistro.
O primeiro desses fatos é
uma armadilha (um arame
quase invisível estendido entre
dois troncos) que derruba o cavalo do médico local (Rainer
Bock), ferindo seriamente animal e cavaleiro. Como este não
tem inimigos e é prezado pela
comunidade, até por ser o único médico da região, o evento é
lido como uma travessura de
mau gosto.
A suspeita recai sobre as
crianças e adolescentes, que
passam a sofrer uma vigilância
mais cerrada. Porém, com a
crescente violência dos atentados seguintes, cometidos contra as próprias crianças, a comunidade passa a resistir à
ideia de que tamanha maldade
possa habitar corações tão jovens e supostamente puros.
O que fica claro é que a harmonia e a tranquilidade anteriores aos crimes se faziam sob
o signo da repressão. As figuras
dominantes encarnam diferentes formas de autoridade: política (o barão), religiosa (o pastor), científica (o médico).
Contra esses pais reais e simbólicos, se batem as pulsões juvenis, constritas por regras tirânicas. Um exemplo eloquente é o do filho adolescente do
pastor, Martin (Leonard Proxauf), que passa a dormir com
as mãos amarradas à cama
quando o pai descobre que ele
se masturba.
Michael Haneke descreve esse silencioso inferno com uma
clareza análoga ao límpido preto e branco das imagens. Seu cinema se depurou de maneira a
realçar a complexidade das
ideias e das emoções por meio
de uma linguagem despojada,
translúcida. Em "A Fita Branca", a exposição é cronologicamente linear, conduzida pela
narração em "off" do personagem do professor, que muitos
anos depois, já velho, reconstitui em tom quase neutro os terríveis acontecimentos.
Críticos viram nesse filme,
Palma de Ouro em Cannes-09,
um retrato da gênese do nazismo. Pode ser. Haneke nasceu
em Munique e cresceu na Áustria, dois berços da ideologia
nacional-socialista, e deve saber um par de coisas sobre isso.
Mas o que torna "A Fita
Branca" mais perturbador é a
sensação de que aquela aldeia,
ainda que profundamente alemã, é como o sertão de Guimarães Rosa: está em toda parte.
A FITA BRANCA
Quando: hoje, às 18h20, no HSBC
Belas Artes 2 (14 anos)
Avaliação: ótimo
Veja o trailer em:
www.folha.com.br/093031
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