|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
FERNANDO GABEIRA
Globalização e as sementes do equívoco
Livros sobre a globalização
ocuparam meu tempo neste
fim de ano. Os autores são jornalistas, um do "New York Times",
outro do "Le Monde". Se fôssemos
aplicar aos dois o próprio critério
jornalístico de esquentar as matérias, diríamos que um é favorável,
outro é contrário. Mas isto não
explicaria quase nada.
"O Mundo É Plano", de Thomas Friedman, já foi traduzido
no Brasil e, sob muitos aspectos, é
uma apologia daqueles países, ou
mesmo setores, que conseguiram
se inserir na globalização, aproveitando-se desta oportunidade
para prosperar.
Nesse caso estão Índia e China,
a primeira sobretudo por formar,
desde os tempos de Nheru, grandes engenheiros que não tinham
outra saída exceto buscar um emprego qualquer fora do país. Agora, com o processo de terceirização dos serviços dos grandes grupos internacionais, a Índia está tirando o maior proveito possível
da inteligência e da formação técnica dos seus quadros.
Quem perde a mala numa viagem interna nos EUA e reclama
pelo telefone pode estar falando
com um "call center" em Bangalore, pois grande parte desses serviços é feito hoje na Índia.
Um dos bons momentos do livro
de Thomas Friedman é quando
conta uma fábula africana. Toda
vez que um antílope acorda, ele
sabe que tem de correr mais que o
mais veloz dos leões para sobreviver. Quando o leão acorda, sabe,
por sua vez, que tem de correr
mais que o mais lento dos antílopes, também para sobreviver. Em
suma, não importa se leão ou antílope, é preciso começar a correr
cedo.
O processo competitivo acentuado pela globalização levou a
inúmeras soluções geniais. Friedman, por exemplo, fala da capacidade do Wal-Mart de organizar
seus fornecedores, em criar programas que racionalizem as entregas ou mesmo o rastreamento
de cada pacote.
Como repórter nova-iorquino,
atribui ao provincianismo do
Wal-Mart sua política rígida com
os funcionários, política que lhe
ameaça o prestígio no mundo.
Aliás, depois do livro publicado, a
empresa teve de pagar, na semana passada, US$ 157 milhões em
indenizações trabalhistas.
Friedman também tem uma visão crítica do processo de destruição ambiental, mas não o dramatiza. Em certos momentos, chega
a admitir, numa hipótese, que o
preço do petróleo baixe a US$ 10 o
barril, algo bastante contraditório com a crise dessa fonte de
energia.
Já o livro de Jean-Paul Besset,
que foi redator-chefe do "Le Monde" durante dez anos, é um grande libelo contra o processo de globalização por causa dos seus efeitos, inclusive no meio ambiente.
Besset acha que chegamos a um
momento decisivo e que não se
trata mais de luta de classe, muito
menos de combates nacionais.
Todos precisam se unir para evitar o descontrole que o progresso
acarretou, ameaçando o futuro
do planeta.
O título de seu livro -"Como
Não Ser Mais Progressista, Sem se
Transformar num Reacionário"- é bastante elucidativo. Ele
começa dialogando com um suposto guardião celeste sobre seus
fracassos na Terra, inclusive as
idéias de esquerda trituradas pela
história. E, a partir daí, procura
demonstrar como a crise pode nos
levar todos para o buraco, progressistas ou não.
As duas obras provocam no leitor a vontade de lutar. O de Friedman, lutar para que o próprio
país entenda a globalização e tire
proveito dela. Ele propõe que os
americanos se deixem levar pelo
espírito da queda do Muro de
Berlim e atenuem o impacto do 11
de Setembro. Ele quer um espírito
aberto do 9/11 contra a quase paranóia que os EUA viveram desde
o 11/9.
No caso brasileiro, tanto as
preocupações de Friedman, entusiasta da globalização, como as
de Besset, crítico radical, ainda
não parecem ter dominado nossa
vida política. Se por um lado o
país nem se prepara, acabando
com excesso de burocracia, investindo na educação, estimulando
a criatividade, por outro lado não
se prepara também para a crise
ambiental como seria necessário.
O resultado é que não somos
nem bem apologéticos nem críticos. Apenas vamos tocando o barco, com um acerto aqui, um erro
ali. O presidente Lula diz que não
queria plantar para que outros
colhessem. Isso não é verdade
nem para ele -pois algumas vitórias do Brasil na OMC (algodão, aço) acabam ajudando as
novas gerações aqui e em outros
países do Terceiro Mundo- nem
para líderes como Nehru e Mandela, cada um à sua maneira,
plantando para muitas gerações
posteriores.
Com toda a admiração que tenho por São Paulo, não deixa de
ser estranho ver uma luta tão limitada entre suas grandes correntes políticas. Se mergulho no
livro de Friedman, sinto uma
grande necessidade de união para que se responda a esse processo
impiedosamente competitivo no
mercado internacional. Se me dedico ao texto de Besset, concluo
que ainda estamos longe dos passos necessários para evitar o grande desastre ambiental.
Um presidente que não planta
para que outros colham é uma
peça difícil de integrar nesse quebra-cabeça. Ainda que os políticos brasileiros possam se consolar
com as rivalidades internas. Tanto para um mundo plano como
para o mundo em dissolução, elas
são apenas uma nota no pé de página.
@ - contato@gabeira.com.br
Texto Anterior: Vitrine brasileira - Não-ficção Próximo Texto: Record rescinde contrato com o âncora Boris Casoy Índice
|