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'The Artist' prova que o silêncio vale ouro

Diretor fala sobre a criação de um filme mudo; premiado, longa franco-belga é nome forte na corrida pelo Oscar

'A falta de diálogos faz com que as pessoas tenham de recorrer a sua imaginação', diz Michel Hazanavicius

Divulgação
Bérénice Bejo em cena do filme mudo 'The Artist
Bérénice Bejo em cena do filme mudo 'The Artist'

TOBIAS GREY
DO “FINANCIAL TIMES”

O diretor francês Michel Hazanavicius diz que a vontade de fazer um filme mudo em preto e branco na era de "Avatar" é como "estar dirigindo um calhambeque enquanto carros de Fórmula 1 passam voando a seu lado".

Mas, longe de ser uma lata velha, o filme mais recente do cineasta de 44 anos, "The Artist" [O Artista]-sobre um astro do cinema mudo dos anos 1920 apavorado com a chegada do cinema falado-, está sendo visto como importante candidato ao Oscar.

Os muitos reconhecimentos que já recebeu incluem os troféus de melhor diretor e melhor filme do Círculo de Críticos de Cinema de Nova York e o prêmio de melhor ator para Jean Dujardin no Festival de Cannes.

O filme, que estreia hoje no Reino Unido, começou a reacender o interesse, há muito desaparecido, pelo cinema mudo e pelo que ele pode oferecer ao público moderno.

"The Artist" é uma produção franco-belga que custou US$ 12 milhões e foi rodada inteiramente em Hollywood, usando locações históricas, como a antiga residência da atriz Mary Pickford.

É uma comovente história de amor, que vem conquistando o público com números de dança dinâmicos e um cachorro chamado Uggie, expert em fingir-se de morto.

"É um filme que contraria o que vem sendo feito no momento. Sei que isso é uma das coisas que as pessoas apreciam nele", diz Hazanavicius.

O diretor começou a "fantasiar" sobre criar um filme mudo cerca de oito anos atrás. Quando criança, ele acompanhou seu avô em visitas semanais ao cinema Max Linder, em Paris, onde descobriu os clássicos do cinema mudo dos anos 1920 e ficou fascinado pelo gênero.

"No início, ninguém se interessou pelo filme. As pessoas acharam uma péssima ideia", conta Hazanavicius.

"Produtores, amigos, todos me perguntavam por quê. Comecei a achar que contar a história do ator de cinema mudo facilitaria a aceitação do filme mudo pelo público, porque o tema e a forma estariam em correlação direta."

Sua sorte mudou quando ele conheceu o produtor de cinema francês Thomas Langmann, filho de Claude Berri, cujo próprio faro como produtor lhe valera o apelido de "o último nababo".

"Langmann pôs fé no projeto desde o primeiro momento", diz Hazanavicius. "Foi louco o suficiente para investir seu próprio dinheiro nele, o que faz dele mais do que um produtor, algo parecido com um príncipe florentino."

Assim que Hazanavicius recebeu o sinal verde de Langmann, em 2009, ele começou a se dedicar ao domínio de uma arte perdida.

"Assisti a um número enorme de filmes mudos enquanto escrevia meu roteiro, porque as regras não são as mesmas que as do cinema falado", ele explica. "O cinema mudo é emocional, sensorial; o fato de você não percorrer um texto remete a uma maneira básica de contar uma história, fundamentada nos sentimentos que você criou."

CINEFILIA

"The Artist" faz referências sutis a filmes antigos para criar algo novo e etéreo. Há alusões a "Cidadão Kane" (1941), de Orson Welles, "City Girl" (1930), de F.W. Murnau, "Crepúsculo dos Deuses" (1950), de Billy Wilder, "Luzes da Cidade" (1931), de Charlie Chaplin, e os filmes mudos de Frank Borzage.

Mas a cinefilia declarada de Hazanavicius não se torna nunca opressiva. "Não faço filmes para reproduzir a realidade", diz. "Gosto de criar um espetáculo e que as pessoas o curtam conscientes de que é isso: um espetáculo."

O diretor acha que os filmes mudos, por sua própria natureza, envolvem o público mais que os falados.

"A falta de diálogos faz com que as pessoas tenham de recorrer a sua imaginação. Podem acrescentar suas próprias impressões, imaginando vozes diferentes ou sons de uma cidade americana na década de 1920. Torna-se algo muito mais pessoal."

O respeito profundo que Hazanavicius nutre pelo cinema mudo influiu sobre o tipo de filme que ele quis fazer.

Embora seus créditos anteriores incluam paródias alegres de James Bond, os filmes do Agente 117, ele rejeitou a ideia de um pastiche e procurou criar um melodrama com momentos de comédia.

"Com filmes mudos, é aconselhável evitar a ironia, porque o espectador é seu cúmplice", ele explicou. "É esse pacto que faz com que seja criada emoção."

Mas "The Artist" não é obra de alguém que se oponha às tecnologias modernas. "Sou fascinado pelo cinema mudo, como forma de arte, mas não sou um nostálgico do passado", diz Hazanavicius.

"Se eu fosse, isso sugeriria que eu estaria trabalhando com um gênero superado, e não creio nisso. É apenas um gênero que não foi explorado por muito tempo."

TRADIÇÃO E INOVAÇÃO

Prescindindo de técnicas tradicionais de "trompe l'oeil" usadas no cinema mudo, como os panos de fundo pintados contra os quais imagens são sobrepostas ou o processo de Schüfftan (em que se usavam espelhos para colocar atores dentro de sets miniaturizados), Hazanavicius adotou imagens geradas por computador (IGC).

"The Artist" se vale delas para estender algumas das construções e remover os sinais de vida moderna em algumas cenas -e também para recriar o famoso letreiro "Hollywoodland".

Algumas das cenas entre Dujardin e o cão Uggie também foram intensificadas por IGC. A iluminação do filme é mais sofisticada que a dos filmes mudos tradicionais, sem dúvida porque o filme foi rodado em 35mm e então transferido para o digital na pós-produção. Enquanto isso, a trilha musical de Ludovic Bource soa com perfeição.

"Boa parte da tecnologia empregada para fazer 'The Artist' não existia nos anos 1920, fato que proporcionou ao filme uma perfeição plástica inatingível no passado", diz o francês Serge Bromberg, documentarista e especialista na restauração de filmes.

Embora Hazanavicius não pretenda fazer outro filme mudo por ora, ele não exclui essa possibilidade no futuro.

"Eu teria de encontrar outra ideia que fosse apropriada, porque requer muita sinceridade. Eu não faria outro filme mudo só porque este funcionou bem."

Tradução de CLARA ALLAIN

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