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Análise

Jornalista Linduarte Noronha fundou estética do cinema novo com "Aruanda"

DO CRÍTICO DA FOLHA

Em 1959, o jornalista Linduarte Noronha partiu ao interior da Paraíba para realizar um documentário sobre a vida miserável de descendentes de escravos em um quilombo da Serra do Talhado, inspirado por uma reportagem que ele havia escrito.

Levava uma câmera emprestada pelo Instituto Nacional do Cinema Educativo, comandado pelo cineasta Humberto Mauro, um gravador Nagra e uma pequena equipe formada pelos iniciantes Vladimir Carvalho, João Ramiro Mello e Rucker Vieira.

No laboratório da Líder, no Rio, em 1960, Glauber Rocha assistiu a uma cópia de "Aruanda" e escreveu uma crítica consagradora no "Jornal do Brasil", comparando Noronha ao mestre neorrealista italiano Roberto Rossellini.

A partir daí, o modesto curta-metragem tornou-se um marco triplo: primeiro filme do ciclo de cinema paraibano, ponto de partida do moderno documentário brasileiro e, mais importante, precursor do cinema novo -ao lado de "Arraial do Cabo" (1959).

Até a morte de Noronha -ocorrida na última segunda-feira, aos 81 anos, em João Pessoa (PB), em decorrência de uma pneumonia-, o nome do cineasta nunca mais seria dissociado dos de "Aruanda" e do cinema novo.

De fato, alguns elementos essenciais do movimento cinematográfico já estavam lá: a temática social e sertaneja, o desejo de não apenas retratar o "povo", mas denunciar suas condições de vida, a luz estourada de uma fotografia sem filtros ou rebatedores e a precariedade de produção que espelhava a precariedade do ambiente retratado (que Glauber depois batizaria de "estética da fome").

Hoje, porém, o curta chama a atenção pela forma sutil, harmônica e ainda moderna de diluir as fronteiras entre o documental e o ficcional (o filme se inicia com os habitantes do quilombo representando os antepassados).

Noronha, nascido em Ferreiros (PE), em 1930, também foi crítico e professor de cinema, realizou o curta documental "O Cajueiro Nordestino" (1962) e o longa ficcional "O Salário da Morte" (1970), sobre um político assassinado por um matador, tema delicado para tempos de ditadura e para um Nordeste dominado por coronéis.

Apesar da fama e da influência de seu trabalho de estreia, Noronha não conseguiu levar adiante vários de seus projetos cinematográficos, incluindo uma adaptação de "A Bagaceira", de José Américo de Almeida -o que dá conta de outro tipo de precariedade, a da profissão de cineasta no Brasil.

(RICARDO CALIL)

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