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"Fiz 'Cabra' durante as minhas férias"

Eduardo Coutinho lembra filmagens conturbadas do documentário, que tem nova cópia exibida em SP

RODRIGO SALEM
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

"Cabra Marcado para Morrer" é um dos filmes mais importantes do cinema brasileiro. Mas o diretor Eduardo Coutinho não esquece uma crítica feita há quase 30 anos.

"Eu estava no Cine Palácio, no Rio, quando ouvi um sujeito saindo do cinema reclamando: 'Porra, pensei que era um filme de cangaço, mas é um monte de gente falando'", recorda-se Coutinho, que mostra amanhã, pela primeira vez no Brasil, a cópia restaurada de sua obra seminal em 35 mm.

Por algumas semanas, "Cabra Marcado para Morrer" quase virou um filme parecido com o esperado pelo espectador rabugento.

Em 2 de abril de 1962, João Pedro Teixeira, um líder de camponeses, foi assassinado na Paraíba. A história despertou o interesse do jovem Eduardo Coutinho.

Em dois anos, ele começou a rodar uma ficção sobre Teixeira. Até que as filmagens foram interrompidas pelo golpe militar de 1964. Após vinte anos, Coutinho voltou ao longa de maneira diferente. Ele rodou um documentário sobre o projeto e foi atrás dos "atores" da época, inclusive Elizabeth Teixeira, mulher de João Pedro, e que fez o próprio papel. A linguagem metalinguística, ousada para a época, foi aclamada com prêmios no Brasil e na Europa.

"Alguém uma vez falou que eu tive sorte por meu filme ter sido interrompido", diz Coutinho à Folha. "Mas tente viver com um fantasma desses por 17 anos. Não voltei por motivos estéticos, mas porque fui castrado."

Não foi um fantasma fácil de exorcizar. Coutinho precisou abandonar a câmera quando o Exército invadiu o set, em Pernambuco, e passou uma noite na mata. Em Recife, foi capturado.

"Nunca tive tanto medo na minha vida. Fui ameaçado e pensei que fosse morrer", lembra ele. "Passei anos tendo pesadelos."

O negativo do filme escapou graças a um time que era formado pelo produtor Zelito Viana e pelo assistente de direção Vladimir Carvalho. "Não me recordo de ter perdido nenhuma cena", afirma o diretor. "Nem mesmo a última, que foi salva por um comerciante de João Pessoa."

As dificuldades foram diferentes em 1981, quando retornou ao projeto. Para sobreviver, o cineasta passou a trabalhar no "Globo Repórter", da Rede Globo. "Passei três trabalhando sem folga na Globo. Fiz o filme durante as minhas férias."

No Nordeste, à caça de Elizabeth, que seria a figura central do documentário, Coutinho só chegou à mulher usando métodos pouco ortodoxos. Abraão, o filho mais velho dela, queria dinheiro. "Eu ofereci 10% da bilheteria, mas não adiantou, então levei grana viva", conta ele. "Abraão teria ganhado muito mais se tivesse aceitado minha proposta."

Àquela altura, a única coisa que importava para Coutinho era o filme. Usou equipamentos da Globo de forma clandestina, pagou um "por fora" para técnicos e motoristas e montou o filme nos estúdios do "Globo Repórter".

"Foi um prazer indescritível", brinca o cineasta. "Mas sempre fui honesto. Ninguém gostava de viajar comigo, porque eu não dava dinheiro para o uísque. Eu contava cada tostão das diárias."

Ao recuperar "Cabra Marcado para Morrer", a crise do diretor agora é outra. "Será que a nova geração vai assistir?", questiona.

A resposta começa a ser dada com a exibição da cópia seguida de debate com o diretor, além de Zelito Viana, o cineasta Lauro Escorel e Patrícia De Filippi, coordenadora do laboratório de restauro da Cinemateca.

É TUDO VERDADE - "CABRA MARCADO PARA MORRER"

QUANDO amanhã, às 14h
ONDE Cinemateca Brasileira, (lgo. Senador Raul Cardoso, 207, tel. 0/xx/11/3512-6111)
QUANTO grátis
Classificação 14 anos

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