Índice geral Ilustrada
Ilustrada
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Crítica Romance

Sub-realismo mágico latino e piegas norteia obra de autor

Em Letelier, os "causos" e os costumes são o foco do interesse

ALCIR PÉCORA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O chileno Hernán Rivera Letelier é autor de mais de uma dezena de livros e detentor de uma série de prêmios e títulos, dentre os quais o de Cavaleiro da Ordem das Artes e das Letras da França - insígnia que já distinguiu Paulo Coelho, e, em janeiro deste ano, a cantora Shakira.

No Brasil, acabam de sair duas novelas do autor: "A Contadora de Filmes", de 2009, e "A Arte da Ressurreição", de 2010.

As histórias se passam em povoados paupérrimos do deserto do Atacama, no Chile, e são construídas quase exclusivamente à roda de uma personagem central, cujo caráter excepcional ou bizarro deve justificar sozinho a expansão do núcleo narrativo -o qual, de resto, tende menos a deslanchar que a repisar os mesmos eventos.

No caso de "A Contadora...", trata-se de uma menina que, desde os dez anos de idade, revela dotes extraordinários para narrar os filmes que assiste. De início, ela os conta apenas para os irmãos maiores e para o pai paralítico, vítima de um acidente de trabalho, mas depois ela o faz para todo o povoado, chegando mesmo a concorrer em interesse com o próprio cinema. Isso até a chegada da televisão, que vence a ambos.

Entre o início e o fim das suas narrações, várias desgraças se sucedem, entre as quais a mais revoltante é relativa ao estupro sofrido pela menina, e a mais triste, prestimosamente guardada para o final, a que dá conta do que se passa entre ela e a mãe, que a abandonara.

Já "A Arte..." recria ficcionalmente a história de Domingo Zárate Vega (1898-1971), um camponês chileno que ficou conhecido como "Cristo de Elqui", após se dizer divinamente inspirado e sair em longa peregrinação pelo país a pregar o próximo fim dos tempos. Obviamente, aqui, a lembrança de "A Guerra do Fim do Mundo", de Vargas Llosa, não será vã.

Não é, entretanto, o sentido escatológico de discursos do "Cristo chileno" que atrai a atenção de Letelier, mas a sua suposta busca por uma prostituta que fosse santa, ou vice-versa, à imagem da Madalena bíblica, para se tornar a sua mais fiel companheira de viagem. E a encontra, enfim, num canteiro de salitre miserável, no Alto Atacama.

A moça não tem a disponibilidade que desejaria o Cristo. Ela já tinha a sua própria missão: a de perseguir, aonde quer que se escondesse, o padre que a estuprara de menina e que também havia sido amante de sua mãe, o que agravava o crime da pedofilia com o de incesto.

Em Letelier, os "causos" e os costumes são o foco do interesse mais que a incidental greve dos salitreiros com que tinge de política os eventos.

Se os resumos acima tiverem alguma serventia, devem revelar por si sós que Letelier é autor do nível de Isabel Allende e Antonio Skármeta, como bem assinala a contracapa de um dos livros. Traduzido rudemente, significa que se trata de um subproduto do chamado "realismo mágico" latino americano.

Mas podemos deixar as comparações de lado e dizer que Letelier é um autor com uma fórmula. Os ingredientes básicos são bem conhecidos: personagens pitorescas e cenários exóticos mais proselitismo político, misticismo popular e sensualidade bem-humorada. Sobre a mistura, lança-se uma pátina de pieguismo. Há quem se comova.

A CONTADORA DE FILMES

AUTOR Hernán Rivera Letelier

TRADUÇÃO Eric Nepomuceno

EDITORA Cosac Naify

QUANTO R$ 29,90 (112 págs.)

AVALIAÇÃO ruim

A ARTE DA RESSURREIÇÃO

AUTOR Hernán Rivera Letelier

TRADUÇÃO Bernardo Ajzenberg

EDITORA Alfaguara

QUANTO R$ 39,90 (216 págs)

AVALIAÇÃO regular

ALCIR PÉCORA é professor de teoria literária da Unicamp e autor de "Máquina de Gêneros" (Edusp).

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.