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Crítica romance

Escritor das letras minúsculas demoniza moralismo hipócrita

Nas histórias de Valter Hugo Mãe, o leitor passa a conhecer os aspectos inesperados e estranhos das coisas familiares

NOEMI JAFFE
ESPECIAL PARA A FOLHA

Tanto em "o nosso reino" -início da tetralogia que se encerra com "a máquina de fazer espanhóis"- como em "O Filho de Mil Homens", critica-se o moralismo hipócrita de mentalidade provinciana que só faz oprimir o protagonista do primeiro romance e impedir a felicidade das personagens do segundo.

Com as minúsculas que já o identificam, valter hugo mãe compõe, em "o nosso reino", benjamin, um garoto também minúsculo em sua humildade e temor, que decide, com fé pura e corajosa, que quer ser santo.

Sem as minúsculas, e recusando, por isso, o reconhecimento fácil, é Crisóstomo, em "O Filho de Mil Homens".

Ele é o homem que, com sua generosidade e liberdade, consegue quebrar os preconceitos ferozes de uma aldeia e possibilitar a existência de uma "família diferente", com um homossexual, um filho enjeitado e uma mulher bígama.

Em ambos os livros, o confronto com as superstições e máscaras da fé se dá não pela razão nem pela violência, mas pela simplicidade e pela inocência das personagens, que coincidem com a linguagem nem sempre minúscula, mas em permanente tom menor e sem pompa.

A jornada de Benjamin, o menino que resolve ser santo, é sua passagem infantil pelo conhecimento da morte, da doença, da culpa e do sexo, sempre acompanhado pelo espanto genuíno dos olhos de uma criança.

É com delicadeza semelhante que o generoso Crisóstomo é capaz de romper com os preconceitos de uma aldeia, podendo, talvez aqui, nesta libertação das letras minúsculas, chegar até a felicidade, algo impensável nos romances da tetralogia.

Em ambos os livros, que estão sendo lançados simultaneamente, uma ideia recorrente, que surge também com delicadeza, é o "cu".

É essa a parte do corpo a assustar o puro Benjamin, que imagina, em seu fluxo de consciência, que é dali que vêm os caprichos e todo o mal da humanidade.

É também através do "cu" que o homossexual Antonino, de "O Filho de Mil Homens", deve ser "atravessado por uma vara grossa e dependurado como uma bandeira para todos verem".

O sexo enviesado é, aliás, coerente com a visão e a linguagem oblíqua e avessa de valter hugo mãe, em cujas histórias o leitor sempre passa a conhecer os aspectos inesperados e estranhos de coisas familiares.

Outro traço que se repete em ambos os romances é o aspecto alegórico, maravilhoso, fazendo com que o leitor nunca saiba se a narrativa é realista ou fantástica e se há nela alguma intenção moralizante, já que essa é a origem e a função da alegoria.

Em "O Filho de Mil Homens" é mais reconhecível a intenção alegórica da narrativa, o que faz com que o livro seja mais explicativo e acabe adquirindo, por vezes, o tom de uma mensagem: libertária, certamente, mas ainda uma mensagem.

É muito bom que o autor escape do reconhecimento fácil que as minúsculas lhe conferiram; mas é bom também que ele busque, mesmo que com a convenção das maiúsculas, manter o mistério difícil dos livros anteriores.

NOEMI JAFFE é doutora em literatura brasileira pela USP e autora de "Quando Nada Está Acontecendo" (Martins), entre outras obras o nosso reino

AUTOR Valter Hugo Mãe
EDITORA 34
QUANTO R$ 35 (168 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo

O FILHO DE MIL HOMENS
AUTOR Valter Hugo Mãe
EDITORA Cosac Naify
QUANTO R$ 33,15 (224 págs.)
AVALIAÇÃO bom

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