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Réplica

Grupos sociais são os principais personagens dos meus romances

Paulo Lins rebate a crítica ao seu novo livro, 'Desde que o Samba É Samba', de que escreveu mais intriga que história

ASSIM COMO 'CIDADE DE DEUS', 'DESDE QUE O SAMBA É SAMBA' NÃO TEM PROTAGONISTA OU TRAMA DEFINIDA

PAULO LINS
ESPECIAL PARA A FOLHA

É um orgulho que um dos maiores pesquisadores do samba tenha se preocupado em investigar meu romance. Porém, como crítico literário, seu texto é claudicante, com afirmações sem sentido.

O que é a estrutura orgânica de um romance para Sérgio Cabral (publicado na "Ilustrada" em 29/4)? É a mesma coisa para críticos de verdade como Gilberto Mendonça Teles, Otto Maria Carpeaux ou Afrânio Coutinho? Seja o que for, quero me livrar de qualquer estrutura que venha querer unificar a produção literária.

Assim como "Cidade de Deus", "Desde que o Samba É Samba" não tem protagonista nem trama definida, muito menos estrutura formal. E isso não é para inovar ou ser diferente. Gosto de escrever assim para ter um grupo social como personagem principal. Qual é o mal de um tema sumir e voltar ao texto ou seguir entrelaçado a outros completamente diferentes? Na vida, as pessoas vão e voltam, se misturam. Na ficção também pode ser assim, só que com estilo.

Não vou tirar a palavra veado de um romance que une ficção e realidade para deixar em paz os homofóbicos de plantão. O que se tem de discutir não é a homossexualidade de personagens históricos e sim o espancamento e assassinato de pessoas por causa dos desejos e dos amores que se tem na vida.

A primeira escola de samba foi criada por causa das agressões policiais ao povo negro que só queria cantar e dançar na rua. Até hoje, descendentes de escravos, inclusive crianças, são assassinados pela polícia em consequência do racismo do qual ainda não nos livramos aqui no Rio de Janeiro e em todo o Brasil. O que fizeram com o samba, faz-se atualmente com o funk e com o hip-hop.

Não sacrificarei o sexo do romance para ser politicamente correto, já que parte da história se passa na zona de prostituição da cidade maravilhosa, um lugar para onde a rapaziada do livro não ia para rezar. A música e o desejo combinam com o nosso corpo e fazem dele uma dança.

No arquivo da polícia consta que Ismael Silva deu tiros num desafeto e pegou uma cana por isso. Por que ele não pode ter dado um golpe de capoeira num ataque da polícia, já que vivia no meio de capoeiristas e era agredido? Na literatura vale mesmo não o que aconteceu, mas o que poderia ter acontecido.

Vou deixar a estação Maracanã no livro nas próximas edições, já que nessa parte faço poesia e preciso dessa palavra por causa da métrica. E, por muitas vezes, samba e futebol rolam juntos. A ficção me dá essa liberdade.

Os principais detalhes da primeira escola de samba estão em meu livro como no de Cabral, de Nelson da Nóbrega Fernandes, de Humberto M. Franceschi, de Maria Thereza Mello Soares e de tantos outros jornalistas e pesquisadores, assim como em depoimentos ao MIS (Museu da Imagem e do Som), nos documentos de polícia, na Biblioteca e no Arquivo Nacional. Porém, diferentes do meu, são textos que não chegam ao grande público pela sua própria natureza.

Não quero acrescentar nada ao samba porque não é necessário, e sim trazer à luz grandes artistas que não têm o devido reconhecimento e valorizar cada vez mais a cultura do povo que ainda é marginalizado pela cor da pele.

PAULO LINS, escritor, é autor de "Cidade de Deus" (Companhia das Letras) e "Desde que o Samba É Samba" (Planeta)

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