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Crítica romance Livro atesta momento especial da literatura hispano-americana JOCA REINERS TERRONESPECIAL PARA A FOLHA Difícil saber de que água andam bebendo no México, mas o fato é que alguns dos escritores mais surpreendentes dos últimos tempos têm surgido por lá, a maior parte ainda inédita no Brasil. Só para ficar no time feminino, Guadalupe Nettel, Daniela Tarazona, Brenda Lozano, entre outras, e Valeria Luiselli -primeira a desembarcar por aqui- parecem ser ávidas consumidoras de certo mescal secreto cujo rótulo exibe a marca "Los Detectives Salvajes". "Rostos na Multidão", romance de estreia da autora, é a resposta inquietante ao que se passa na cabeça de uma mulher. A narradora, uma tradutora, vive na Cidade do México com um arquiteto e dois filhos pequenos, enquanto escreve um livro. "Os romances são de longo fôlego. Assim querem os romancistas. Ninguém sabe exatamente o que significa, mas todos dizem: longo fôlego. Eu tenho um bebê e um menino médio. Não me deixam respirar. Tudo o que escrevo é -tem que ser- de curto fôlego. Pouco ar.", descreve a personagem. Entrecortada, a estrutura lembra um asmático em crise atrás da bombinha. Lembranças da solteirice em Nova York, quando trabalhava para um editor interessado em descobrir o novo Roberto Bolaño, misturam-se ao tempo presente da mulher que escreve "um romance silencioso, para não acordar as crianças". A protagonista fantasia sobre a vida erótica de seu vizinho chinês ou recorda as peripécias sexuais do passado, entrevistas pelo marido que bisbilhota o livro em progresso e pergunta quem é o tal "Moby". "Ninguém, digo, Moby é um personagem." Mas Moby existiu, assim como Pajarote, Dakota e o editor White, figuras fantasmagóricas de outros tempos, de outra cidade. No presente sem espaço, a narradora se divide entre diálogos trocadilhescos com as crianças, a ausência do marido e Gilberto Owen, poeta mexicano dos anos 1920 que também viveu em Nova York e de quem ela fraudou traduções para apresentar a White. Em seus últimos dias, Owen, o personagem, começa a tomar conta da narrativa, e sua voz aos poucos substitui a da mulher, soterrada pela invisibilidade de sua inexistência íntima e dos desejos que irrompem para excitação do leitor, privilegiado observador dessa janelinha voltada ao interior de uma cabeça feminina. Aos poucos, no entanto, descobre-se nos interstícios habilmente justapostos uma história triste. Ficcionista sem temor à referência culta (o título vem de um verso de Ezra Pound, e aparecem García Lorca e o objetivista norte-americano Louis Zukofsky -à clef, como "Zvorsky"), Valeria Luiselli atesta o momento especial da literatura hispano-americana, e não é só mais um rosto em uma multidão de Bolaños. JOCA REINERS TERRON é autor do romance "Do Fundo do Poço se vê a Lua", de 2010 (Companhia das Letras)
ROSTOS NA MULTIDÃO |
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