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Crítica Conto

Trama de Nikolai Gógol faz anatomia do fetichismo da mercadoria e da alienação

Grotescos, os personagens são fantoches do homem moderno, atarantado pelos apelos da nascente metrópole

MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA

Amanhece na avenida Niévski. Burocratas sonolentos percorrem a principal via de São Petersburgo, que logo se enche de governantas e filhos da alta sociedade.

Depois do almoço, casais nobres e funcionários ministeriais leem jornal nas confeitarias: "Tudo o que você encontra na avenida Niévski é repleto de decência", diz o narrador do conto em que Gógol (1809-1852) descreve a capital do Império Russo.

Com o crepúsculo, porém, senhores decorosos se transformam em chacais, farejando rostos femininos sob os chapéus. Aí encontramos o tenente Pirogóv e o pintor Piskarióv, personagens que percorrem caminhos opostos.

Piskarióv vai atrás de uma beldade de cachos negros e se vê num antro de depravação. Foge enlouquecido, depois volta pelas mãos de um lacaio da cortesã, como se navegasse num sonho que tenta perpetuar com ópio obtido numa loja persa.

Ao contrário de Piskarióv (que deseja converter sua pecadora), o luxurioso Pirogóv não tem dúvida sobre o sentimento que nutre pela lourinha que persegue pela avenida. Para sua decepção, descobre nela a virtuosa mulher de um ébrio funileiro alemão.

APELOS DA METRÓPOLE

Grotescos, os personagens são fantoches do homem moderno, atarantado pelos diferentes apelos da nascente metrópole.

Em termos literários, o conto é precursor de "O Homem da Multidão", de Poe (cujo narrador segue um anônimo pelas ruas de Londres), e dos "Pequenos Poemas em Prosa", em que Baudelaire associa o belo à experiência de choque da modernidade.

Mas seria injusto com o tradutor Rubens Figueiredo, e com seu esforço de colocar a literatura numa perspectiva materialista, reduzir Gógol a modelos retóricos.

São Petersburgo foi projetada como ponta de lança da modernização czarista e o cosmopolitismo percebido (e no encarte que o acompanha, "Notas de Petersburgo de 1836") sucumbe a um vetor mais forte: o ilusionismo. O narrador associa as quinquilharias expostas nas vitrines ao demônio que, todas as noites, acende os lampiões da cidade, "para mostrar tudo sob um aspecto falso".

Em "Avenida Niévski" (cujo projeto gráfico reproduz um passeio pela artéria de São Petersburgo), o autor satírico-fantástico ressurge como anatomista do fetichismo da mercadoria e da alienação.

AVENIDA NIÉVSKi/NOTAS DE PETERSBURGO DE 1836

AUTOR Nikolai Gógol

EDITORA Cosac Naify

TRADUÇÃO Rubens Figueiredo

QUANTO R$ 46,50 (128 págs.)

AVALIAÇÃO ótimo

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