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Crítica romance

Vida e obra de autores se unem em nova ficção de historiador

Conversa fictícia de Lima Barreto e Cruz e Souza conduz mosaico narrativo

Algo central permanece e se intensifica, como um fio torcido, ao longo do romance: um impulso de ultrapassar as barreiras mesquinhas que manietam cada personagem

VIVIANA BOSI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Joel Rufino dos Santos costuma ser um delicioso contador de histórias tanto para adultos quanto para crianças, ora imaginadas, ora extraídas de acontecimentos reais por ele romanceados.

Seus livros ensaísticos, de vivo interesse para o debate sobre questões culturais brasileiras, transbordam em espírito e em originalidade de enfoque.

O romance "Claros Sussurros de Celestes Ventos" abre-se de maneira auspiciosa: a narrativa se passa, inicialmente, no subúrbio carioca entre meados do século 19 e começo do 20, com uma conversa fictícia entre Lima Barreto e Cruz e Souza.

Quase contemporâneos e opostos em tudo, encontram-se na casa modesta do primeiro. Somos introduzidos às famílias complicadas, às dificuldades econômicas, à saúde precária de ambos.

A trama se amplifica, com a entrada de outros núcleos entrelaçados, nos quais se apresentam figuras de seus romances e poemas (tais como a Olga, do Policarpo, e a Núbia, dos Broquéis) ao lado de aspectos pouco conhecidos ou inventados de suas biografias.
Outros escritores, sobretudo negros e mulatos, comparecem em cenas ou alusões, como Machado de Assis e Mário de Andrade, pois as questões raciais, em seu formato brasileiro, permeiam sutilmente os destinos trilhados por todos eles.

A partir de certo momento, a narrativa em mosaico ganha força. Tanto no detalhe da construção das frases quanto na junção das partes, temos a impressão de parataxes contínuas, atenuando-se, por vezes, o encaixe que traria arremate mais orgânico às diversas tramas que se desenvolvem no livro.

Predomina na obra o recurso à montagem, sintomático da reiteração das dificuldades experimentadas pelas personagens, que vêm e vão no tempo e no espaço, de forma desalinhavada de um enlace firme.

Há relativa irregularidade entre as partes: enquanto nas primeiras deparamo-nos com momentos de fino acabamento, mais para o final parece que alguns trechos desmoronam, sem o mesmo afã construtivo do início.

As sequências -interessantes cada qual- vão-se desdobrando, como se mais de um romance estivesse latente aqui. Incluem-se, por exemplo, a vida de um pastor norte-americano que migra para o Brasil e situações envolvendo a Revolução Constitucionalista de 1932.

Mas, mal o leitor começa a interessar-se, já outros enredos se superpõem.

No entanto, algo central permanece e se intensifica, como um fio torcido, ao longo do romance: um impulso de ultrapassar as barreiras mesquinhas que manietam cada personagem, emparedada por sua condição social porém liberta pela luta contínua de realização de seus talentos.

VIVIANA BOSI é professora de Teoria Literária e Literatura Comparada na USP.

CLAROS SUSSURROS DE CELESTES VENTOS
AUTOR Joel Rufino dos Santos
EDITORA Bertrand Brasil
QUANTO R$ 29 (182 págs.)
AVALIAÇÃO bom

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