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Réplica

Em defesa da voz do autor

Uma resposta à crítica de "Museu É o Mundo"

CÉSAR OITICICA FILHO

RESUMO

César Oiticica Filho, curador do projeto Hélio Oiticica, e o crítico Afonso Luz respondem a resenha de Flávio Moura publicada na "Ilustríssima" de 29/1. Oiticica vê na crítica de Moura "polêmica fácil e ânsia midiática"; Luz reivindica a discussão da inserção internacional de Lygia e do caráter imaterial de sua obra.

A reflexão crítica de artes visuais vive um momento de renovação no Brasil. Para todos os que trabalham ou acompanham a área, é um feliz acontecimento o aparecimento de nomes de qualidade em diversas regiões do país, com diferentes posicionamentos teóricos e afinidades estéticas.

Demonstração da vitalidade e maturidade que as artes visuais têm conquistado no nosso país. Sem querer ser exaustivo, poderíamos citar Clarissa Diniz e Cristiana Tejo, em Pernambuco, Felipe Scovino, Frederico Coelho, Tânia Rivera, Daniela Labra e Sergio Martins, no Rio de Janeiro, Julia Rebouças, em Minas Gerais, Luiza Duarte, Fernanda Lopes, Guy Amado, Marcelo Campos e Ligia Nobre, em São Paulo, como exemplos de jovens críticos altamente qualificados em atuação no Brasil.

Seria possível nomear vários outros, que vêm para contribuir para o excelente nível que a crítica brasileira tem adquirido nas últimas décadas.

Flávio Moura segue a direção contrária. Mantém um estilo ultrapassado: crítica preguiçosa, baseada na polêmica fácil e na ânsia midiática. Textos que trazem pouco ou nenhum fundamento teórico ou histórico e que se valem da agressão gratuita a importantes nomes da cultura para buscar autopromoção.

Foi o que aconteceu no artigo do último dia 29 de janeiro, na "Ilustríssima", sobre o livro "Museu é o Mundo", de Hélio Oiticica.

ERROS

Flávio Moura escreveu a resenha sem, ao que tudo indica, sequer ter lido o livro. Se o tivesse feito, não incorreria em erros tão básicos, como o de ter dito que este "abriga a íntegra dos textos escolhidos para figurar na exposição homônima que percorreu o Brasil em 2010. Não se trata, por isso, de uma coletânea dos melhores ensaios de Hélio, trabalho que não é feito desde 1986, quando saiu 'Aspiro ao Grande Labirinto' (Rocco, esgotado)."

Pois bem, "Museu É o Mundo" contém não apenas os textos do artista compilados originalmente em "Aspiro ao Grande Labirinto" como uma série de outros textos, alguns inéditos em livros, entre eles "A Trama da Terra que Treme", "Balanço da Cultura Brasileira - 1968", "Experimentar o Experimental", "Brasil Diarreia", "Sobre Penetráveis Magic Square", "Ondas do Corpo", "Mitos Vadios", "O q Faço É Música", "Devolver a Terra a Terra", "Esquenta pro Carnaval".

É certamente a maior antologia de escritos de Hélio Oiticica já publicada. Quando da feitura do livro, a escolha foi exatamente trazer a público os textos do autor, da forma mais qualificada possível e em edição bilíngue.

FLA-FLU

Isso, por si só, já deveria ser motivo de interesse e celebração por todos os interessados em cultura, goste-se ou não da obra de Oiticica. Afinal, cultura não é Fla-Flu.

Com a importância adquirida por Hélio Oiticica no Brasil e no exterior, teria sido bastante fácil fazer um livro com textos de grandes críticos nacionais e internacionais louvando a sua obra.

Em vez disso, preferimos trazer para o público a obra do próprio autor, a sua própria voz, da forma mais isenta possível. Acreditamos que essa é a melhor forma de evitar mitificações ou canonizações. Mas, ao que parece, alguns críticos ainda preferem o obscurantismo e a ignorância...

O texto incorre em uma série de outros erros, biográficos ou cronológicos, como ao dizer que "nos anos 60 Hélio passou a escrever como concretista". Embora Oiticica já conhecesse os poetas concretos na década de 1950, só retomaria o contato com eles em 1967, num encontro com Haroldo de Campos em Belém, como relata Marcos Augusto Gonçalves em excelente ensaio de 2003.

Assim, o frutífero diálogo entre os irmãos Campos e Hélio surge apenas nos últimos anos da década de 1960 e ganha força realmente na década seguinte, durante a estadia de Hélio em Nova York.

GULLAR

Por isso mesmo, também não há nenhum fundamento na tentativa de traçar um paralelo entre esse diálogo entre Hélio e os poetas concretos e o afastamento do artista com Ferreira Gullar, ocorrido na primeira metade da década de 1960, anos antes.

O afastamento ocorreu, como é sabido por todos que pesquisam a cultura brasileira desse período, quando o poeta rompe com os princípios construtivistas e filia-se ao Centro Popular de Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes (UNE), adotando uma arte engajada politicamente.

Esses erros, básicos, demonstram o total desconhecimento de Flávio Moura sobre o assunto. Um pouco mais de estudo, nessas horas, cai bem.

Ou seja, nas poucas vezes que Flávio se digna a falar diretamente do objeto da sua resenha, erra. O que sobra é a sua tese, no mínimo controversa, para não dizer mesquinha.

O que ele está propondo, menos Hélio e Lygia? Não seria bom para o Brasil ter mais, com obras e documentos mais acessíveis? Reconhecer isso está além do alcance de um crítico obcecado pela ideia da "canonização" dos artistas.

Como se Oiticica precisasse de procedimentos desse tipo, após décadas de reconhecimento, devido não a estratégias de consagração, mas à inequívoca importância da sua obra. A resenha fala, certa hora, de "narcisismo". Não será mais narcisista ocupar-se das próprias posições preconcebidas em detrimento do objeto da crítica?

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