São Paulo, domingo, 19 de dezembro de 2010

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Diário de Paris

O mapa da cultura

A valsa dos prêmios

A vitória de Houellebecq e Despentes

COM A APROXIMAÇÃO do inverno, os lançamentos de livros interessantes diminuem, dando lugar à valsa anual dos prêmios literários. Neste ano, os dois prêmios mais prestigiosos, o Goncourt e o Renaudot, coroaram, respectivamente, Michel Houellebecq, por "La Carte et le Territoire" ["O Mapa e o Território", Flammarion], e Virginie Despentes, por "Apocalypse Bébé" ["Apocalipse Bebê", Grasset]. Ou seja, dois bons romances (não é sempre esse o caso) globalmente bem acolhidos pela crítica (e pelo público). O livro de Houellebecq recebeu elogios quase unânimes, sendo que, normalmente, o "enfant terrible" da literatura francesa divide opiniões. Houellebecq e Despentes são da mesma geração.
Eles cresceram durante os anos da crise econômica, os anos punk, no grande desencantamento que sucedeu ao mágico parêntese dos anos 60. Ambos surgiram no cenário literário em meados dos anos 90 -Houellebecq com um texto friamente desesperado, de título evocativo ("Extensão do Domínio da Luta"), Despentes com um "road-book" violento e trash de título mordaz ("Foda-me").
Durante anos, e não obstante o sucesso, esses dois autores foram pouco valorizados pelo meio literário institucional, de sensibilidades extremamente "burguesas". Houellebecq tinha sido "reprovado" em duas tentativas de conquistar o Goncourt, que ambicionava e que previa receber (por "As Partículas Elementares" e "A Possibilidade de Uma Ilha"), enquanto Despentes era indiferente a prêmios literários. É por essa razão que o Goncourt e o Renaudot em 2010 constituem um acontecimento simbólico, e o célebre crítico e romancista Frédéric Beigbeder falou em "a vitória de uma geração".
Podemos com certeza compartilhar seu sentimento, mas também pensar o inverso: e se tiver sido a derrota de uma geração? Ou, para formular a discussão noutros termos, os prêmios literários se modernizaram, se desempoaram, ou Houellebecq e Despentes se normalizaram? Quando a margem integra o centro, isso é uma conquista da margem ou uma dissolução no centro? A resposta está nos dois livros: Despentes continua a ser Despentes, e Houellebecq, se está menos provocador, continua tão melancolicamente divertido, ou divertidamente melancólico, quanto antes.

O MELHOR DO CINEMA Como na literatura, o cinema outorga seus prêmios. Antes dos Césars de fevereiro, será entregue o Prêmio Delluc - apelidado de "o Goncourt do cinema"- de melhor filme francês. Duas discussões agitaram o júri: o que é um filme francês? E o que é um filme de cinema?
A primeira pergunta foi motivada por "O Escritor Fantasma", de Roman Polanski, e "Mistérios de Lisboa", de Raoul Ruiz. Polanski tem nacionalidade francesa, mas seu filme foi rodado em inglês, com atores anglo-saxões, e se passa nos EUA. Já Ruiz é chileno, mas vive em Paris, e seu filme tem partes em francês, com atores franceses.
A segunda discussão foi causada por "Carlos", de Olivier Assayas, cuja versão integral só foi mostrada na TV. Mas a qualidade cinematográfica passou à frente dos outros critérios: "Carlos", "Mystères de Lisbonne" e "O Escritor Fantasma" fazem parte dos oito filmes que postulam o título de melhor filme francês de 2010, uma boa notícia neste ano de debate sobre a identidade nacional e sinal da polissemia tecnológica e internacional do cinema atual.

BD GIRL POWER Com "Girls Don't Cry" ["Garotas não Choram", Glénat], Nine Antico se afirma como uma das melhores autoras da paisagem contemporânea da história em quadrinhos. Redatora de vários fanzines de rock, Nine Antico, 29, foi para as vias de fato em 2008 com "Le Goût du Paradis" ["O Gosto do Paraíso"], seu primeiro romance (autobio)gráfico.
Em "Girls Don't Cry", ela apresenta uma anti-"Bridget Jones" dinamitando os códigos e clichês "girlies". Suas heroínas, Marie, Pauline e Julie, às vezes são insuportáveis, mas nem por isso são desmioladas, viciadas em shopping ou obcecadas com a aparência. "Quando eu era menor, não imaginava que eu viraria mulher, usando saia, batom e esmalte. Como se chega a isso?", indaga Nine.
"Girls Don't Cry" traz elementos de resposta a essa indagação nesse retrato instigante e cômico de três amigas que tentam ser mulheres, fugindo à imagem difundida na publicidade ou nas revistas.


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