São Paulo, domingo, 19 de dezembro de 2010

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IMAGINAÇÃO

prosa, poesia e tradução

O Livro de Sombras

SOBRE Com este poema, escrito para "O Livro de Sombras", recém-lançado pelo artista plástico Luciano Figueiredo e organizado por Kátia Maciel e André Parente, o poeta Antonio Cicero inaugura sua colaboração com a Ilustríssima, onde também publicará ensaios sobre poesia, literatura e filosofia.

ANTONIO CICERO

Para onde vou, de onde vim?
Não sei se me acho ou me extravio.
Ariadne não fia o seu fio
à frente, mas atrás de mim.
Não será a saída um desvio
e o caminho o verdadeiro fim?

Não é hora de regressos
Não é hora

É certo que me perco em sombras
e que, isolado em minha ilha,
já não me atingem as notícias
dos jornais a falar de bolsas,

modas, cidades que soçobram,
crimes, imitações da vida
ou da morte televisiva,
quadrilhas, teias penelópicas

de horrores ou de maravilhas
que dia a dia se desfiam
e fiam sem princípio ou fim
novíssimas novas artísticas,
científicas, estatísticas...
e há na noite quente um jasmim.

É aqui, mais real que as notícias, na própria
matéria, na dobradura de uma folha
em que se refolha este meu coração
babilônico, na configuração
da mancha gráfica sobre a tessitura
do papel tensionado, ou onde se apura
o lusco-fusco produzido por linhas
e entrelinhas, entre o preto e o branco e o cinza,

onde cada ideia, cada ponto e vírgula
dos trabalhos e das noites se confunde
com miríades de pontos de retícula
e meios-tons de clichês, entre o passado
que jamais está passado e alguns volumes,
linhas e planos apenas esboçados,

que súbito os elementos mais dispersos
se articulam, claro-escuro filme negro,
entre a pura matemática, o acaso
e a arte (esta árvore já foi vestido
de mulher) onde meu delírio é mais preciso,
transparece o meu jornal imaginário.

Para onde vou, de onde vim?
Não sei se me acho ou me extravio.
Ariadne não fia o seu fio
à frente, mas atrás de mim.
Não será a saída um desvio
E o caminho o verdadeiro fim?


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