São Paulo, domingo, 27 de junho de 2010

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DIÁRIO DO RIO

O mapa da cultura

O imbróglio do feijão

Desafio aos portelenses

LUIZ FERNANDO VIANNA

No último dia 5, comemoraram-se os sete anos da feijoada da Portela, que já foi conhecida como feijoada da Velha Guarda da Portela e nasceu pagode da Família Portelense. Ocorre no primeiro sábado de cada mês e seu sucesso pode ser medido pelos eventos semelhantes que Mangueira, Império Serrano e outras escolas de samba do Rio passaram a realizar.
O clima ameno da comemoração na quadra de Madureira, na zona norte, foi quebrado quando o compositor Marquinhos de Oswaldo Cruz, 48, pegou o microfone para fazer "um desafio aos portelenses", a começar pelo presidente da agremiação, o militar reformado Nilo Figueiredo.
É preciso "recuperar o espírito original" da feijoada, disse Marquinhos, instando cada pessoa a chamar cinco portelenses de volta aos encontros. Ele quer de novo um pagode da família portelense, festa interna que, por ser singular, atraiu um público plural, incluindo turistas estrangeiros e as meninas cuidadosamente desleixadas da zona sul.
Marcos Sampaio de Alcântara -que adotou como sobrenome artístico o pequeno bairro em que ele e a Portela foram criados- tem moral para fazer tal desafio: ele é um dos inventores dessas festas mensais. E de sua voz sempre saem ideias contra o esfacelamento das tradições populares.
Criou o trem do samba, que há 15 anos, todo 2 de dezembro (Dia Nacional do Samba), embarca centenas de pessoas na estação Central do Brasil rumo a uma grande festa em Oswaldo Cruz. E, ao lado da mulher, a historiadora Denise Barata, concebeu o Museu Vivo dos Cantos Negros, roteiro de casas, bares e outros endereços importantes dos bairros da grande Madureira. A prefeitura já encampou o projeto. "Este é um território sagrado do samba. As pessoas precisam saber o que tocam aqui", disse ele no palco da Portela.
Mais moral ainda tem Hildemar Diniz, o Monarco, 76, um dos maiores cantores brasileiros e líder da Velha Guarda. Após Marquinhos, foi ele quem pegou o microfone. "Se dizem que nós somos repetitivos, é porque cantamos Paulo da Portela, Antonio Caetano, Alvaiade. A função da Velha Guarda é essa. Não vamos cantar lambada e rebolation, porque não somos ligados a modismos", endossou, sob aplausos.
Nos últimos dois anos, achando que atrairia mais público, a diretoria da escola convidou jovens pagodeiros, cantores românticos, de bossa nova e até uma cantora de funk. Viu boa parte do público se afastar.
O discurso de Marquinhos deixou Nilo Figueiredo irritado, mas parece estar dando resultados. A Velha Guarda voltará a ser o destaque das feijoadas. Bailes em clima de gafieira, evocando os que aconteciam antigamente na região, vão ser realizados. E uma programação lembrará o símbolo maior da escola, Paulo Benjamin de Oliveira, o Paulo da Portela (1901-49), de julho próximo até junho de 2011, mês dos 110 anos de seu nascimento.
O legado de Paulo ajuda a entender o imbróglio do feijão. Lustrador e carpinteiro de grande inteligência, esteve à frente do processo de aceitação das escolas de samba pelo poder público e pela imprensa. Entendia que só assim o samba deixaria de ser associado à marginalidade. Na Portela, determinava que os homens andassem de "pés e pescoços ocupados" -ou seja, com sapatos e colarinho abotoado- para causar boa impressão.
Paulo significa o papel civilizatório das escolas de samba. Elas nasceram como representação de uma comunidade, dando-lhes voz cultural e política. São de um tempo em que lazer não era sinônimo de consumo e ócio, harmonizando-se com trabalhos pesados como o de fazer uma feijoada para centenas de bocas. A crescente mercantilização do samba fez com que os "grêmios recreativos" se tornassem empresas que visam lucro fácil e que têm o samba entre seus bens de menor interesse, abaixo dos jogos proibidos, dos negócios sexuais e dos atalhos de ascensão social.
Nadando contra a corrente, só uns viciados em utopia como Marquinhos de Oswaldo Cruz.

SAMBAS AO LUAR Uma das melhores e, certamente, a mais agradável roda de samba do Rio de Janeiro acontece nas noites de sexta-feira no clube Santa Luzia, no centro -e se chama Samba, Luzia. Público e músicos ficam num grande terraço sob a lua e com vista para a baía de Guanabara. O incansável Moacyr Luz teve a ideia e é responsável pelas primeiras sextas do mês, ficando Paulão 7 Cordas, Tempero Carioca & Wanderley Monteiro e Moyseis Marques com as seguintes.

DOMINGOS DE RAMOS Para quem quer algo mais tradicional, os Partideiros do Cacique tocam toda tarde/noite de domingo sob a famosa tamarineira da quadra do bloco Cacique de Ramos, onde, nos anos 80, despontaram Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Arlindo Cruz e outros. Os discípulos do Fundo de Quintal são militantes do partido alto e abrem a roda para a improvisação de versos.


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