São Paulo, domingo, 28 de agosto de 2011

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Questão de método

NELSON DE OLIVEIRA

Quem falou em vitórias?
Resistir é tudo.

Rilke


PRECISEI LER a tréplica de Paulo Roberto Pires, intitulada "A Crítica e o Vale-Tudo", duas vezes. Na primeira leitura, mais descompromissada, confesso que me perdi. A sucessão de analogias com a política, o cinema e o vale-tudo foi muito divertida. Mas não consegui encontrar o argumento sério na saraivada de ofensas e no repeteco de falácias.
Na segunda leitura resolvi ir armado: duas canetas me ajudaram. Com a vermelha assinalei os insultos e com a azul marquei os sofismas reapresentados. Os insultos, apesar de ocuparem mais da metade do texto, não precisam de resposta. Os sofismas repetidos, já denunciados em minha réplica, também não. Nada de ecoar o eco.

MEDALHAS Decidi responder apenas ao que se aproxima, mesmo vagamente, de um argumento consistente. O problema é que, quase todo sublinhado de vermelho e azul, sobrou muito pouco do texto para ser respondido. Não grifado, há um trechinho constrangedor, em que Pires lustra em público nossas gloriosas medalhas ganhas, oh!, na honrosa guerra a favor da nova ficção brasileira. Deixa pra lá, sem comentário...
O ponto não menos constrangedor, que realmente merece reflexão, diz respeito à metodologia. Pires afirma que um crítico literário não precisa conhecer a fundo seu objeto de análise, se em dada situação -o convite de um jornal- este objeto for maior do que suas forças. Se entendi bem, "tema bom para um longo artigo acadêmico e péssimo para as páginas de jornal" são os objetos complexos, refratários à urgência da imprensa.
Discordo. Ainda sou da opinião que um crítico precisa conhecer a fundo a literatura dos novos ficcionistas daqui e de outros países, se quiser pontificar sobre ela na imprensa ou em qualquer lugar. Se não acompanhou a produção literária da primeira década deste século, no momento mesmo em que ocorria, não adianta apenas passar os olhos pelas lombadas, cheirar as orelhas, insinuar leituras. Sua resenha não amadureceu, foi precipitada.

BLEFE Afirmar que na antologia da geração zero zero há pelo menos três contos "que não estão à altura do reconhecido talento de seus autores", sem citar os tais contos, parece blefe. A amostragem também é ridícula: três contos, numa coleção de 47? É preciso rever esse método de trabalho.
Também é preciso rever certas palavras-chaves. O que Pires chama de "fulanizar" eu chamo de "justificar". Aprendi isso no terceiro ano do colégio, com um texto de Antonio Candido, intitulado "A Nova Narrativa" (1979), e nunca mais esqueci. Analisando a ficção brasileira da década de 70, Candido cita os autores e as obras. Nunca me ocorreu que, para não fulanizar o debate ou para não ficar mal com a galera, o crítico devesse ter ocultado os nomes.

DISCORDAR Em sua tréplica, Pires se repete bastante. Continua clamando por "elementos concretos e critérios claros" na organização da antologia "Geração Zero Zero: Fricções em Rede", como se não existissem. Os elementos concretos e os critérios claros estão todos lá, citados no texto de apresentação. Discordar deles não significa "inexistência".
Mas discordar deles implicaria discordar também dos critérios apresentados pelos organizadores da antologia "Os Melhores Jovens Escritores em Espanhol", da revista Granta. Isso Pires não faz e minha réplica já explicou por quê, não preciso me repetir.
Agora noto que, além de aceitar o cheque sem fundos dos gringos -uma miragem anacrônica envolvendo Jorge Luis Borges e Gabriel García Márquez-, Pires sequer discorda do mau uso da palavra "escritores" no título dessa antologia. "Os Melhores Jovens Ficcionistas em Espanhol" seria o correto. Afinal, poetas também são escritores e não estão lá. Quando o ovo é estrangeiro, o caçador de pelos faz vista grossa.
Este meu arrazoado não ficará sem troco, eu sei. Espero apenas menos insultos e repetecos. Não quero gastar à toa a caneta vermelha, menos ainda a azul.

Não adianta apenas passar os olhos pelas lombadas, cheirar as orelhas, insinuar leituras. Sua resenha não amadureceu, foi precipitada


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