São Paulo, domingo, 28 de agosto de 2011

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DIÁRIO DE PEQUIM
O MAPA DA CULTURA

Abba em chinês

"Mamma Mia!" made in China

FABIANO MAISONNAVE

WO DE MA YA! A China escolheu "Mamma Mia!" e gastou US$ 10 milhões (R$ 16 milhões) para montar o primeiro musical apenas com atores chineses cantando e dançando 22 canções totalmente traduzidas ao mandarim.
A montagem chegou a Pequim na semana passada depois de uma temporada relativamente bem-sucedida em Xangai, com 32 apresentações e 80% dos ingressos vendidos para ouvir os clássicos do grupo sueco Abba com sotaque local.
Esta não é a primeira tentativa de produzir musicais aqui. Em 2006, o produtor britânico Cameron Mackintosh arriscou trazer "Os Miseráveis" para a China, mas o projeto afundou em problemas com a censura, falta de dinheiro e divergências com o parceiro local.
Menos política, "Mamma Mia!" tem outros desafios. Para compensar a ausência de nostalgia -os chineses não estavam exatamente dançando Abba nos anos 1970-, a tradução incluiu algumas piadas nativas. Já os problemas com a censura foram evitados ao cortar um trecho que trazia a palavra "contrarevolucionário".
O governo não vê problemas em produções culturais ocidentais, desde que apolíticas e infantilizadas, de certo modo -basta ver o perfil dos filmes estrangeiros aprovados pela censura. Trechos do "Mamma Mia!" chinês podem ser vistos em bit.ly/qTNtNN.

PROPAGANDA
Conheci Eric Vanden Bussche quando cursávamos história na USP, em meados dos anos 1990. Visionário e de lugar nenhum -nascido no Canadá, criado no Brasil e filho de belga com alemã-, formou-se em três anos e se perdeu na China. Pouco soube dele até o reencontro, 15 anos depois, marcado no novo Museu Nacional da China (chnmuseum.cn/english).
Enquanto esperávamos na longa fila, Eric resumiu as suas andanças: estudou mandarim por dois anos, seguido de um mestrado em Pequim. Para ficar no país, inventou um trabalho de repórter de futebol sem saber chutar uma bola -conseguiu o emprego ao dizer que era brasileiro.
Quatro anos e duas Copas do Mundo "in loco", Eric foi cursar um doutorado na Universidade Stanford. Pesquisa a formação do Estado nacional chinês a partir da delimitação da fronteira com a antiga Birmânia (Mianmar).
Já dentro do museu, fomos para a parte de história contemporânea, seção nova batizada de "Estrada do Rejuvenescimento".
A narrativa é grandiloquente, nacionalista, xenófoba e maniqueísta. Um quadro de 2009, por exemplo, traz uma batalha em que chineses derrotam soldados japoneses sob o título "Cortem a Cabeça do Demônio [japonês] com uma Espada".
Para Mao Tse-tung, só elogios: nenhuma menção aos mais de 30 milhões de mortos na Grande Fome (1959-61). "Os americanos não tocam no tema de os Pais Fundadores terem sido donos de escravos, os chineses não falam sobre a políticas de Mao que mataram milhões de fome", compara Eric.
Ele acha que o museu "está em extrema sintonia com o sentimento atual, de que a China está se tornando uma potência mundial após ter sido humilhada pelas potências mundiais".
Finda a visita, falamos do futuro. Eric diz que voltar ao Brasil não é viável. "Quem vai fazer a resenha do meu livro, qual historiador brasileiro fala chinês?"
Enquanto a USP não tem um professor de história da China, lembra, em Stanford é possível se graduar apenas com matérias relacionadas ao país.
É uma pena. Sem espaço para Eric, o Brasil vai depender cada vez mais dos Institutos Confúcio, financiados pelo governo chinês e com a mesma lógica do Museu Nacional: propaganda acima de tudo.

ELA É "JAPONESA"
Caso raro para um artista estrangeiro, a cantora nipo-brasileira Lisa Ono fará uma longa turnê pela China no rastro de seu sucesso por aqui. Serão 13 apresentações entre agosto e dezembro, incluindo Pequim e Xangai.
Responsável pela popularização da bossa nova na Ásia, Lisa Ono nasceu no Brasil e emigrou no início dos anos 1970 aos dez anos. A ligação com a música veio por meio do pai, que, em Tóquio, abriu uma casa de espetáculos, Saci-Pererê.
Ela já se apresentou em Pequim neste verão, num festival ao ar livre. O repertório era quase todo brasileiro, incluindo "Maracangalha". Mas na plateia ninguém sabia que ela cantava em português.
Na China, Lisa é só japonesa. Por um lado, é uma pena para a imagem do Brasil, reduzida no imaginário do gigante asiático apenas ao futebol. Mas também é bom saber que a voz doce de Lisa Ono, com a ajuda de Dorival Caymmi e Tom Jobim, resulta maior do que a xenofobia.


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