São Paulo, quarta-feira, 03 de março de 2010

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ANÁLISE

Empresa paga o preço da inovação

RONALDO LEMOS
COLUNISTA DA FOLHA

Foi preciso um economista de inclinação marxista, Joseph Schumpeter, para conceituar o fenômeno da "criação destrutiva", pelo qual de tempos em tempos surgem empresas inovadoras que reúnem o capital e as pessoas necessários para mudar a forma como um determinado setor se organiza. E o Google faz isso como ninguém.
O primeiro segmento reinventado foi o próprio setor de buscas. Quem ainda se lembra do AltaVista, do Lycos, do Hotbot, do Infoseek?
Com base em uma ideia inovadora sobre como melhorar as buscas por conteúdo na rede (e sem nenhuma campanha de marketing), ficava claro que o serviço oferecido pelo site era superior aos concorrentes.
Outro segmento reinventado foi o da publicidade on-line.
Os desajeitados banners deram lugar a um modelo sofisticado, simples (como qualquer boa inovação) e bastante imitado, que descentralizou e personalizou a forma de oferecer anúncios na rede.
Com isso, passou a gerar boa parte dos US$ 23 bilhões de receita anual da empresa.
Em face disso tudo, a pergunta é: como competir com o Google? A resposta é complexa. Vou mencionar só dois pontos.
O primeiro é que o Google aposta em modelos abertos.
Em vez de trabalhar com padrões tecnológicos próprios, ele usa standards públicos.
Isso é diferente de políticas como a da Apple, que trabalha essencialmente com padrões próprios, que buscam exclusividade. Para entender melhor isso, basta pensar na diferença entre os celulares Nexus One (Google) e iPhone (Apple).
O Nexus One funciona com qualquer operadora, usa software livre e interage com qualquer outra plataforma.
Já o iPhone é desenhado para funcionar essencialmente com produtos da Apple (diga-se: iTunes, iTunes Store, Safari e assim por diante).
O segundo ponto diz respeito ao custo da inovação.
O Google navega como ninguém em um oceano de incertezas legais. Como não há regras claras para a internet, como ocorre no Brasil e em muitos outros países, os conflitos acabam tendo de ser resolvidos pelo judiciário.
Isso gera custos enormes e imprevisibilidade. O Google tem capital para lidar com um cenário turbulento como esse.
Ele pode pagar o custo da inovação. Mas, e outros empreendedores menores?
Com isso, a saraivada de processos que o Google vem sofrendo globalmente tem um efeito colateral curioso: ela afasta a concorrência.
Enquanto houver instabilidade das regras do jogo, continuará a existir um só Google.


RONALDO LEMOS é diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas e do Creative Commons Brasil


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