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PRIVACIDADE
União Européia tem projeto de lei que determina registro de dados de comunicação por telefone ou computador
Europa quer monitorar troca de e-mails
GUSTAVO POLONI
FREE-LANCE PARA A FOLHA, DE LONDRES
Até o final do ano, o governo da
União Européia deve votar uma
proposta de lei bastante polêmica.
A idéia é fazer com que os países-membros do Mercado Comum
Europeu armazenem todo e qualquer tipo de comunicação pessoal
de seus cidadãos por pelo menos
um ano. Pelo projeto, as empresas
de telecomunicações, incluindo
operadoras de telefonia móvel e
provedores de acesso à internet,
serão obrigadas a guardar os números de telefone e endereços de
e-mail trocados pelos europeus.
O objetivo da proposta é ajudar
serviços de inteligência e polícia a
combater crimes e terrorismo.
Mas o anúncio provocou ampla
discussão na Europa sobre privacidade e, principalmente, sobre o
controle cada vez maior do governo sobre a vida das pessoas.
Os provedores de internet da
Inglaterra já mostraram que não
têm simpatia pela proposta. Eles
afirmaram que não vão armazenar os dados pelo período de pelo
menos 12 meses proposto por
uma lei aprovada às pressas pelo
governo inglês após os atentados
terroristas nos Estados Unidos.
"É uma invasão dos direitos individuais garantidos pela Convenção Européia", reclama Tony
Bunyan, editor da Statewatch,
uma ONG que monitora ameaças
à privacidade e às liberdades civis
na União Européia. Por telefone,
ele conversou com a Folha sobre a
proposta.
Folha - Qual sua avaliação do projeto de lei da União Européia?
Tony Bunyan - É uma grave
agressão ao direitos garantidos
pela Convenção Européia dos Direitos Individuais. Mais e mais
pessoas terão acesso a informações pessoais por motivos diferentes e, muitas vezes, escusos. E
as informações poderão ser usadas, no futuro, por motivos políticos ou por causa de interesses
pessoais.
Folha - Como os governos pretendem fazer tais mudanças?
Bunyan - Serão criadas leis para
armazenar dados por um período
que pode variar entre 12 e 24 meses. Esses dados estarão disponíveis para todos os países da União
Européia para investigações criminais. Autoridades de um país-membro poderão requisitar acesso a dados para o governo de outro país.
Folha - Quando a proposta de lei
será votada?
Bunyan - Isso ainda não está certo. Os países-membros da União
Européia estão discutindo o texto
final do projeto. Mas o mais provável é que uma proposta formal
deva ser apresentada neste mês
ou até o final do ano.
Folha - A que tipo de informações
os governos teriam acesso? Eles poderão ler e-mails e ouvir conversas
telefônicas?
Bunyan - A proposta só envolve
os dados de tráfego, como os números de telefone chamados, os
e-mails enviados e os sites visitados. Mas haveria outra proposta
de lei para permitir o acesso ao
conteúdo também.
Folha - Quem teria acesso aos dados e em quais circunstâncias?
Bunyan - A princípio, apenas autoridades, para a condução de investigações.
Folha - Então, por exemplo, uma
mulher que desconfiasse do marido não poderia ter acesso aos e-mails dele?
Bunyan - Teoricamente, não.
Mas isso depende muito das condições do armazenamento e da
segurança dos dados. Já aconteceram casos de quebra de segurança
no passado, e os dados foram
acessados por pessoas não-autorizadas. Ficamos até surpresos
que o texto considerado pelo governo da União Européia não fale
de segurança da informação.
Folha - A justificativa para o projeto é que os dados seriam usados
para combater o terrorismo e outros crimes. Isso não é razoável?
Bunyan - As agências de inteligência já têm todos as ferramentas para combater esses crimes. Se
um serviço de espionagem suspeitar de um grupo ou indivíduo
envolvido com terrorismo, basta
ir até a Justiça e conseguir uma liminar para poder ter acesso a todos os serviços de vigilância, assim como o armazenamento dessas informações. Em relação ao
racismo e à pedofilia, as agências
podem solicitar a retenção dos
dados dos visitantes de tais sites e
até tomar medidas legais contra
os idealizadores das páginas.
Folha - De quem seria o trabalho
de armazenar os dados?
Bunyan - A princípio, das empresas de comunicação, como
provedores de acesso e companhias telefônicas. Isso significa
um custo adicional, que pode vir a
ser repassado para os cidadãos.
Folha - Os sistemas de vigilância
são bastante comuns em empresas. O que o senhor acha deles?
Bunyan - São uma forma injustificável de invasão de privacidade.
Folha - O Reino Unido, onde as
pessoas são vigiadas por um sistema de câmeras chamado CCTV, é
um dos países que mais defendem
a proposta. O senhor acha que a
sua privacidade foi invadida?
Bunyan - Ah, sim. Em algumas
situações. Afinal, são pelo menos
milhões de câmeras em todo o
Reino Unido filmando os cidadãos 24 horas por dia.
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