São Paulo, quarta-feira, 06 de novembro de 2002

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PRIVACIDADE

União Européia tem projeto de lei que determina registro de dados de comunicação por telefone ou computador

Europa quer monitorar troca de e-mails

GUSTAVO POLONI
FREE-LANCE PARA A FOLHA, DE LONDRES

Até o final do ano, o governo da União Européia deve votar uma proposta de lei bastante polêmica. A idéia é fazer com que os países-membros do Mercado Comum Europeu armazenem todo e qualquer tipo de comunicação pessoal de seus cidadãos por pelo menos um ano. Pelo projeto, as empresas de telecomunicações, incluindo operadoras de telefonia móvel e provedores de acesso à internet, serão obrigadas a guardar os números de telefone e endereços de e-mail trocados pelos europeus.
O objetivo da proposta é ajudar serviços de inteligência e polícia a combater crimes e terrorismo. Mas o anúncio provocou ampla discussão na Europa sobre privacidade e, principalmente, sobre o controle cada vez maior do governo sobre a vida das pessoas.
Os provedores de internet da Inglaterra já mostraram que não têm simpatia pela proposta. Eles afirmaram que não vão armazenar os dados pelo período de pelo menos 12 meses proposto por uma lei aprovada às pressas pelo governo inglês após os atentados terroristas nos Estados Unidos.
"É uma invasão dos direitos individuais garantidos pela Convenção Européia", reclama Tony Bunyan, editor da Statewatch, uma ONG que monitora ameaças à privacidade e às liberdades civis na União Européia. Por telefone, ele conversou com a Folha sobre a proposta.

Folha - Qual sua avaliação do projeto de lei da União Européia?
Tony Bunyan -
É uma grave agressão ao direitos garantidos pela Convenção Européia dos Direitos Individuais. Mais e mais pessoas terão acesso a informações pessoais por motivos diferentes e, muitas vezes, escusos. E as informações poderão ser usadas, no futuro, por motivos políticos ou por causa de interesses pessoais.

Folha - Como os governos pretendem fazer tais mudanças?
Bunyan -
Serão criadas leis para armazenar dados por um período que pode variar entre 12 e 24 meses. Esses dados estarão disponíveis para todos os países da União Européia para investigações criminais. Autoridades de um país-membro poderão requisitar acesso a dados para o governo de outro país.

Folha - Quando a proposta de lei será votada?
Bunyan -
Isso ainda não está certo. Os países-membros da União Européia estão discutindo o texto final do projeto. Mas o mais provável é que uma proposta formal deva ser apresentada neste mês ou até o final do ano.

Folha - A que tipo de informações os governos teriam acesso? Eles poderão ler e-mails e ouvir conversas telefônicas?
Bunyan -
A proposta só envolve os dados de tráfego, como os números de telefone chamados, os e-mails enviados e os sites visitados. Mas haveria outra proposta de lei para permitir o acesso ao conteúdo também.

Folha - Quem teria acesso aos dados e em quais circunstâncias?
Bunyan -
A princípio, apenas autoridades, para a condução de investigações.

Folha - Então, por exemplo, uma mulher que desconfiasse do marido não poderia ter acesso aos e-mails dele?
Bunyan -
Teoricamente, não. Mas isso depende muito das condições do armazenamento e da segurança dos dados. Já aconteceram casos de quebra de segurança no passado, e os dados foram acessados por pessoas não-autorizadas. Ficamos até surpresos que o texto considerado pelo governo da União Européia não fale de segurança da informação.

Folha - A justificativa para o projeto é que os dados seriam usados para combater o terrorismo e outros crimes. Isso não é razoável?
Bunyan -
As agências de inteligência já têm todos as ferramentas para combater esses crimes. Se um serviço de espionagem suspeitar de um grupo ou indivíduo envolvido com terrorismo, basta ir até a Justiça e conseguir uma liminar para poder ter acesso a todos os serviços de vigilância, assim como o armazenamento dessas informações. Em relação ao racismo e à pedofilia, as agências podem solicitar a retenção dos dados dos visitantes de tais sites e até tomar medidas legais contra os idealizadores das páginas.

Folha - De quem seria o trabalho de armazenar os dados?
Bunyan -
A princípio, das empresas de comunicação, como provedores de acesso e companhias telefônicas. Isso significa um custo adicional, que pode vir a ser repassado para os cidadãos.

Folha - Os sistemas de vigilância são bastante comuns em empresas. O que o senhor acha deles?
Bunyan -
São uma forma injustificável de invasão de privacidade.

Folha - O Reino Unido, onde as pessoas são vigiadas por um sistema de câmeras chamado CCTV, é um dos países que mais defendem a proposta. O senhor acha que a sua privacidade foi invadida?
Bunyan -
Ah, sim. Em algumas situações. Afinal, são pelo menos milhões de câmeras em todo o Reino Unido filmando os cidadãos 24 horas por dia.



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