São Paulo, quarta-feira, 07 de março de 2001

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Internet tem programação dedicada ao Dia Internacional da Mulher

Mulheres foram as primeiras computadoras

Reprodução/Folha Imagem
As programadoras Jean Jennings e Francis Bilas trabalham no Eniac, considerado o primeiro computador



MULHERES NA REDE

Programadoras ajudaram a desenvolver o Eniac, ancestral dos PCs; Ada Byron anteviu conceitos

Pioneiras são relegadas na história oficial

MARLEEN WYNANT
DA "PLANET SYNDICATION"

Além de já serem maioria na Internet americana (veja quadro abaixo), as mulheres também tiveram um papel importante no desenvolvimento da informática: elas eram responsáveis pela programação dos primeiros computadores, sendo chamadas de computadoras por seus chefes.
Em 1945, na Filadélfia, em uma casa que pertencia à Universidade da Pensilvânia, algumas dezenas de mulheres trabalharam em uma máquina analítica, versão primitiva dos computadores digitais.
Era preciso calcular trajetórias de mísseis para que a artilharia de guerra da época atingisse seus alvos com maior precisão.
Mas calcular a trajetória de um único míssil podia demorar meses. Homens, diziam os oficiais do Exército norte-americano, não tinham a paciência necessária para a tarefa. Assim, os oficiais do Exército regularmente recorriam às computadoras.
Uma delas, Jean Jennings, do Missouri, então com 20 anos, estudava matemática. Sua colega Betty Snyder era neta de um astrônomo e estudava idiomas.

Eniac
Algum tempo depois, elas foram chamadas para trabalhar em uma nova máquina: o Electronic Numerical Integrator and Computer (Integrador e Computador Numérico Eletrônico), conhecido pela sigla Eniac.
O aparelho foi o precursor dos computadores de grande porte, é um ancestral dos PCs.
O trabalho, que envolvia conectar cabos a soquetes diferentes em configurações adequadas a cada problema, não era simplesmente uma atividade de cálculo, mas algo que rapidamente ganhou o nome de "programação".
Seis mulheres estavam envolvidas no projeto -Marilyn Wescoff, Ruth Lichterman, Kay McNulty, Frances Bilas, Jean Jennings e Betty Snyder. Mas a tarefa era árdua: elas não tinham manuais e não havia sistemas operacionais ou linguagens de computador. Só o hardware e a lógica humana -nesse caso, feminina.
Ao completar 71 anos, em 1997, Jean Jennings disse que sua opinião sobre o Eniac não mudou ao longo dos anos: "Era um inferno programá-lo".
As computadoras foram algumas vezes mencionadas por historiadores, mas geralmente como "mulher de fulano de tal, o co-inventor do Eniac".
No relatório de um oficial do Exército sobre o projeto Eniac, só os nomes das programadoras aparecem sem explicação adicional. Além disso, um deles foi escrito incorretamente.
Por outro lado, os nomes e as profissões dos homens com quem elas eram casadas constavam do texto.
Por mais difícil que fosse programar o Eniac, os oficiais do Exército norte-americano consideravam essa tarefa inferior.
O papel das mulheres no projeto era identificado pela sigla SP, de "subprofissional".
Outra pioneira da computação foi Ada Lovelace Byron (1815-1851), que era filha do poeta Lord Byron e da matemática Lady Byron.
Aos 17 anos, ela descobriu que Charles Babbage tivera a idéia de criar uma máquina analítica.
Babbage e Ada não paravam de se corresponder, e ela concordou em fazer um resumo do projeto.
Ada levou a idéia um passo adiante e sugeriu que esse tipo de máquina poderia ser usado para criar complexas partituras musicais e executar trabalhos gráficos, tornando-se uma ferramenta de pesquisa indispensável.
Ela morreu aos 36 anos, mas anteviu um dos principais elementos da computação atual.
Ada sugeriu um plano para a máquina que a faria capaz não só de calcular, mas de gerar números específicos. Em 1979, o Exército norte-americano batizou uma linguagem de computador em homenagem a ela.

Sociedade
Nem sempre as mulheres recebem o devido crédito por seu papel na história da computação. Mas, graças à Internet, é possível conhecer melhor a história de algumas delas.
Um bom exemplo é o site 4000 Years of Women in Science (www.astr.ua.edu/4000WS/ 4000WS.html), que traz enorme quantidade de informações sobre mulheres cientistas.
Mesmo assim, as mulheres continuam a ser julgadas pela sua situação social, enquanto a identidade dos homens continua indissociável de suas funções profissionais e valor comercial.
Excetuando Ada Byron e as programadoras do Eniac, não há muitos modelos em que as mulheres interessadas em trabalhar com computação possam se espelhar. Mas é fato que, no final do século 19, havia milhares de mulheres formadas em diversos campos técnicos.
A maior injustiça não está na forma pela qual essas mulheres foram tratadas pelos historiadores, mas na relutância em corrigir relatos históricos quando necessário.
É estranho que as muitas mulheres que estiveram envolvidas com o início da história da computação estejam em oposição direta ao limitado número de mulheres que encontramos hoje estudando ciência da computação em universidades.

Registros históricos
Kathryn Kleiman estudou ciências da computação na metade dos anos 80 e não se sentiu à vontade em um mundo dominado por homens.
Até que encontrou uma nota de pé de página em um livro que dizia que as origens da programação de computadores eram quase completamente femininas.
Kleiman agora é advogada e cuida da área de computação e computadores no escritório Fletcher, Heald & Hildreth.
Ela passou anos fazendo pesquisas sobre computação e chegou a gravar entrevistas com as cinco programadoras do Eniac que ainda estão vivas.
As empresas de software não ajudaram quando Kathryn Kleiman tentou angariar dinheiro para essas mulheres.
Segundo ela, as companhias consideraram as computadoras pouco importantes.
Quando o aniversário do Eniac foi celebrado, três anos atrás, nenhuma delas constava da lista de convidados. Até que Kleiman começasse a se movimentar e elas terminassem convidadas.


Tradução de Paulo Migiacci.


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