São Paulo, Segunda-feira, 30 de Agosto de 1999
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FUNDO DE PENSÃO
Compra de ações pela fundação Ceres, dos funcionários da Embrapa, está sob investigação
Será que esse foi um bom negócio?

SANDRA BALBI
da Reportagem Local

Você compraria ações com baixa liquidez em Bolsa (poucos negócios) de uma companhia com receitas em queda, prejuízos nos dois últimos anos e que pagou magros dividendos aos acionistas?
Se você acredita que, apesar do passado condenável, tal empresa poderá ter um futuro risonho e que o preço do papel é uma pechincha, esse pode ser um bom negócio. Mas considere mais um detalhe: na Bolsa, essa ação é vendida por R$ 1,94, e o principal acionista lhe oferece um grande lote no mercado de balcão (negociações fora das Bolsas de Valores) por R$ 2,50.
Propusemos essa equação a três analistas de mercado e todos pularam fora do negócio. Mas a Ceres, fundo de pensão dos funcionários da Embrapa, analisou os números da empresa em questão, a Tecelagem São José, de Minas Gerais, e comprou 1,6 milhão de ações preferenciais (sem direito a voto), em maio do ano passado, no mercado de balcão.
O vendedor foi a Encorpar, controlada pelo senador José de Alencar Gomes da Silva (PMDB-MG), que também controla a Coteminas, uma das maiores empresas do setor têxtil. A operação foi estruturada pelo Itaú Bankers Trust, uma associação do banco Itaú com o Bankers Trust, norte-americano, desfeita em 1998.
O negócio está sendo investigado pela Secretaria de Previdência Complementar, xerife dos fundos fechados de previdência, e pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários).
A Secretaria apura possíveis irregularidades na compra das ações pela Ceres. "As fundações não podem adquirir ações no mercado não-organizado de balcão. E, segundo a CVM, foi nesse mercado que a transação ocorreu", diz Paulo Kliass, secretário de Previdência Complementar (veja texto abaixo).
A CVM está verificando se houve manipulação dos preços das ações da Tecelagem São José no período anterior à operação realizada no mercado de balcão.

Investigações

As investigações foram motivadas por reclamação de um acionista minoritário da São José, Cláudio Motta de Faria, 47, que estranhou o valor da colocação das ações, bem acima do preço em Bolsa, e recorreu à CVM.
"Os papéis da Tecelagem São José têm, historicamente, baixa liquidez. Mas, dois meses antes da colocação das ações, pela Encorpar, no mercado de balcão, o volume de negócios aumentou, puxando as cotações", diz Faria. "Pode ter havido manipulação para justificar o preço negociado no mercado de balcão", diz.
Segundo dados da Economática, em 1996, os papéis da São José foram negociados em apenas 30 pregões da Bovespa (Bolsa de Valores de São Paulo), totalizando um volume de 229 mil ações. Em 1997, houve negócios com o papel em apenas 33 pregões, totalizando 221 mil ações negociadas.
Em 1998, até maio, quando ocorreu a colocação no mercado de balcão, aconteceram 162 negócios, envolvendo um milhão de ações. As cotações saltaram de R$ 0,65, no dia 30 de janeiro, quando começou a movimentação do papel, para R$ 2 em 11 de março.
De abril ao dia 8 de maio, quando a Encorpar vendeu suas ações por R$ 2,50 no mercado de balcão para a Ceres, o papel oscilou entre R$ 1,85 e R$ 1,94 na Bovespa. No dia 19 deste mês, data do último negócio com o papel, seu preço estava em R$ 0,55.
"Foi um bom negócio. Naquele momento, as ações da São José estavam valendo no mercado menos da metade do seu preço registrado no balanço (valor patrimonial), demonstrando tecnicamente grande potencial de crescimento", diz Cleuber Oliveira, diretor financeiro da Ceres.
O presidente da Encorpar, Josué Gomes da Silva, também considera o valor da colocação dos papéis uma pechincha. "A empresa estava de graça. Tanto que nós vendemos parte das nossas posições em preferenciais e compramos ordinárias (com direito a voto)", diz.
Segundo o empresário, a Encorpar não teve nenhum ganho financeiro com a operação. "Do ponto de vista de caixa, o negócio foi neutro ou até um pouco negativo para nós", acrescenta.
A Encorpar vendeu 1,6 milhão de ações preferenciais, no dia 8 de maio e comprou 1.611.147 ações ordinárias seis dias depois, passando a deter 33,26% do capital votante da São José.



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