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Morto no dia 24 de janeiro, o jogador Leônidas da Silva foi reverenciado por autores como Gilberto Freyre, Décio de Almeida Prado e Nelson Rodrigues
OS DIAMANTES SÃO ETERNOS
Túlio Velho Barreto
especial para a Folha
Como diria Nelson Rodrigues,
"15 minutos antes de tudo" já
estava escrito que o futebol
brasileiro daria ao mundo três
grandes craques e que eles reinariam,
cada um em sua época, nos templos
sagrados do futebol, aqui e alhures:
primeiro foi Friedenreich ou Fried, "el
Tigre", que teria marcado mais gols
do que Pelé; depois, Leônidas da Silva,
"o Diamante Negro", que teria feito
um gol descalço na Copa de 1938, na
França, quando foi o artilheiro; para
só então aparecer o maior de todos, "o
rei" Pelé.
É a mais absoluta verdade. Por assim dizer, Leônidas da Silva foi o Pelé
do futebol nas décadas de 1930 e 40,
embora não tenha havido as Copas do
Mundo de 1942 e 46, o que impediu
seu coroamento. Mas isso não evitou
que ele virasse marca de cigarro, que
não mais existe, e de chocolate, o perene "Diamante Negro", criado em
sua homenagem. Desde então, até a
mais desavisada criança já entrou em
contato com uma das maiores lendas
do futebol em todo o mundo e de todos os tempos. E a admiração despertada por ele foi tanta que ultrapassou
em muito os limites das quatro linhas
e mesmo dos estádios de futebol, em
especial para aqueles que o viram jogar e não apenas ouviram falar dele.
Dionisíaco
Pois bem. Contemporâneo de outros dois gênios do futebol, o "divino" Domingos da Guia e "a
maravilha negra" Fausto, com eles
formou uma espinha dorsal (Domingos era zagueiro; Fausto, volante; e
Leônidas, atacante), campeã e quase
imbatível nos anos de 1930, em especial no Vasco de 34 e no Flamengo de
36. Para o sociólogo Gilberto Freyre,
Leônidas foi o paradigma do jogador
brasileiro, isto é, de estilo e caráter
"dionisíaco". Por isso, Leônidas mereceu citação não só em "Sobrados e
Mucambos", em que foi chamado de
"bailarino da bola", mas em quase todos os seus escritos sobre futebol a
partir de "Foot-ball Mulato", publicado ainda em 1938.
Pela mesma razão, o crítico teatral e
literário Décio de Almeida Prado escreveu um ensaio, "Recordação de
Leônidas", para dizer que "a partida
que consolidou o prestígio de Leônidas em São Paulo foi espetacular, digna do mito". Foi no Pacaembu, em
um "derby" contra o Palmeiras, em
1942, quando este ainda se chamava
Palestra Itália. O São Paulo perdeu de
2 a 1, mas Leônidas fez "o milagre esperado pela multidão de fiéis: impusera à partida a sua marca de fábrica.
O selo da jogada prodigiosa, jamais
vista, nascida da fertilidade do seu cérebro e da elasticidade de suas pernas". Ou seja, inventara a "bicicleta",
a mesma jogada que impressionou o
escritor Eduardo Galeano, que a chama de "chilena". O uruguaio lembra
que "os gols de Leônidas eram tão lindos que até o goleiro vencido se levantava para felicitá-lo".
Já no premiado livro "Em Liberdade", o escritor Silviano Santiago descreve o que seria o diário de Graciliano Ramos após deixar os porões do
Estado Novo. É uma ficção construída
a partir de extensa pesquisa sobre a vida de Graciliano Ramos na casa de
seu amigo José Lins do Rego, que o
acolhera, no Rio de Janeiro. Zelins,
que "era Flamengo doente", tinha
"enorme interesse pelo futebol", o
que fazia com que, naquela casa,
"Leônidas fosse um ídolo maior do
que Dostoiévski. É "Diamante Negro"
a qualquer momento da conversa",
impacientava-se o autor de "Vidas Secas", mais preocupado em escrever
suas memórias do cárcere.
Mágica
Mas os craques da crônica
esportiva, os irmãos Mario Filho e
Nelson Rodrigues, também viram
Leônidas jogar e encantar. Para Mario
Filho, ele era esse tipo de jogador:
"Quando a gente estava arregalando
os olhos para ver se via, a mágica estava feita"; para Nelson Rodrigues:
"Um jogador rigorosamente brasileiro, da cabeça aos sapatos. Tinha a fantasia, a improvisação, a molecagem, a
sensualidade do nosso craque típico".
Leônidas -que naquele tempo era
tão assediado quanto os maiores cantores e ídolos da Rádio Nacional-
nasceu no dia 6 de setembro de 1913 e,
dizem, morreu no último dia 24, o que
parece absolutamente despropositado, pois até aquela personagem de
Nelson Rodrigues que costuma perguntar "quem é a bola?" sabe que os
diamantes são eternos.
Túlio Velho Barreto é cientista político e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco.
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