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Novo romance da inglesa A.S. Byatt ironiza as pretensões de um biógrafo
A vida como ela foi
Richard Eder
especial para "The NYT Book Review"
Um livro como este, feito de ecos e colcha de retalhos...". No meio dos agradecimentos, a frase de A.S. Byatt nos leva a identificar a bela desordem de "The Biographer's Tale" (A Fábula
do Biógrafo). Estávamos próximos de identificá-la nós
mesmos -dependendo, é claro, de estarmos navegando a esmo pela colcha de retalhos ou sendo seduzidos
pelos ecos.
"The Biographer's Tale" é uma fábula literária da casa,
uma casa dividida por uma briga tripartite entre os teóricos críticos, os acadêmicos e os praticantes da arte de
escrever -poetas, dramaturgos, ficcionistas. Byatt, crítica e ensaísta sagaz, mas, em seu íntimo, ficcionista,
não nos deixa em dúvida quanto às notas que atribui a
cada parte: dez para os escritores, 2,5 para os acadêmicos e abaixo de zero para os teóricos.
As fábulas empregam protagonistas que são todos
contornos e tons nítidos, polidos até alcançarem um
brilho instrutivo dificilmente visto em outros tipos de
ficção contemporânea. O protagonista de Byatt é o candidato a acadêmico Phineas G. Nanson, "um homem
muito pequeno..., mas perfeitamente formado". O progresso desse peregrino literário diminuto o leva, em
poucas páginas cômicas, do inferno da teoria professoral aos verdejantes e agradáveis campos dos fatos professorais -no caso em pauta, a pesquisa biográfica.
Passo a passo, porém, esses campos vão se transformando num purgatório de depressão, sem caminho de
saída. E isso se aplica também ao leitor. Pouco a pouco,
Phineas vai subindo ao paraíso da ficção (e nós o acompanhamos), com fatos redondos, reluzentes e inventados, duas belas mulheres com as quais fazer amor alternadamente e a fanfarra do escrever atordoado.
Phineas faz sua entrada, todo confuso, com sua tese
de pós-graduação pós-estruturalista. Ele a intitula "Personas do Desejo Feminino nos Romances de Ronald
Firbank, E.M. Forster e Somerset Maugham". Nenhuma das duas coisas é encontrada em abundância na
obra de qualquer um dos três escritores, fato que Byatt,
brincando conosco, espera que já saibamos. Logo no
início, Phineas já leva um tombo da teoria e da tese.
Sua conversão se dá num seminário literário em que o
palestrante, quando o conteúdo do que diz é contestado, afirma que "as imprecisões podem ser classificadas
como parte inevitável da incerteza pós-moderna, do jogo pós-moderno -uma das duas coisas ou ambas".
Mas a mãe de Phineas acaba de morrer,
fato que não admite imprecisão ou classificação.
Fugindo do academicismo novo para o
velho, Phineas termina nas mãos servidoras de malte do colossal Ormerod
Goode, um especialista em runas viquingues, de preferência obscenas. Sob seus auspícios (que
serão retirados pouco depois, deixando Phineas sem
patrono e sem uísque), o ex-teórico começa a escrever a
biografia de outro acadêmico de nome esdrúxulo, o falecido Scholes Destry-Scholes. Este é autor de um relato
em três volumes sobre a vida e obra de sir Elmer Bole,
aventureiro, polímata e pornógrafo vitoriano. Fanfarrão que tem mulheres simultâneas na Turquia e na Inglaterra, Bole é um segundo sir Richard Burton -que o
supera, é claro, em erotismo, aventuras, disfarces e conhecimentos.
A biografia de um biógrafo -o que poderia ser mais
repletos de fatos e mais diferente dos devaneios anteriores de Phineas? Em seu "magnum opus", Destry-Scholes fez questão de aprender mais sobre a dúzia de áreas
estudadas pelo sujeito de sua biografia do que o próprio
sujeito sabia. Melhor de tudo: sua pesquisa gigantesca
(ou melhor, a paródia cômica de pesquisa que Byatt
apresenta) foi reunida numa obra-prima de clareza e
abrangência narrativas. É um farol iluminado a atrair o
novo Phineas, mas ele tropeça nas pedras que pontilham o caminho do biógrafo. No início, quase não há
material: algumas cartas prosaicas, a cópia de uma palestra. Ele visita o local onde seu sujeito nasceu -é uma
casa geminada inteiramente comum, que a sua timidez
o impede de conhecer por dentro.
As pedras dão lugar a abismos -profundos, infinitos,
escuros. Da escassez de material, Phineas passa para o
excesso, e é tudo altamente confuso. Três manuscritos
breves aparecem: as anotações e meditações inclassificáveis de Destry-Scholes sobre o grande taxonomista
biológico Carl Lineu, sobre Francis Galton, primo de
Charles Darwin, inventor da datiloscopia e de uma controversa teoria da eugenia, e sobre o dramaturgo Ibsen.
Byatt conferiu a cada um dos manuscritos um tipo de
fascínio diferente. Phineas está totalmente confuso.
Que tipo de obra Destry-Scholes planejava? Que ligação
concebível poderia existir entre os três fragmentos?
Quanto era verdadeiro e quanto era inventado?
O candidato a biógrafo se vê perplexo com esse vislumbre de seu sujeito, um biógrafo que redige algo que
parece ser uma metabiografia. Ou será uma metaficção?
Será que qualquer coerência possível numa biografia
depende de o escritor impor a seus fatos algo como um
padrão fictício? Sejam quais forem os paradoxos e as
derivações literárias de Byatt, ela é contadora de histórias antes de ser intelectual (ao inverso, talvez, de Susan
Sontag). E "The Biographer's Tale" é, sobretudo, uma
história.
Lutando em meio a esse atoleiro todo, Phineas é uma
figura memorável -em parte Cândido,
em parte o Bom Soldado Schweik das
guerras culturais. Aquilo que é estranhamente vivo eleva este livro e seus leitores,
erguendo-os acima de suas confusões
próprias.
Tradução de Clara Allain.
The Biographer's Tale
305 págs., US$ 24
de A.S. Byatt. Ed. Alfred A. Knopf
(EUA).
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