São Paulo, Domingo, 01 de Agosto de 1999
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Conheça, de A a Z, aspectos do universo literário de Jorge Luis Borges, cujo centenário de nascimento será comemorado no próximo dia 24
enciclopédia Borges

ADRIANO SCHWARTZ
Editor-adjunto do Mais!

Em uma entrevista concedida em 1978, o escritor Jorge Luis Borges disse: "Se não se escreve impelido por uma necessidade, acaba-se produzindo uma obra sem valor. Por isso, às vezes me pedem que escreva alguma coisa sobre um centenário, por exemplo, e isso se torna um esforço para mim. Nem sempre se está pensando em um centenário".
Apesar de a afirmação, de modo geral, ser incontestável, ela dificilmente poderia valer para o próprio escritor em seu centenário -ele nasceu no dia 24 de agosto de 1899. Como esta edição do Mais! comprova, escrever sobre (e pensar em) Borges é uma necessidade para praticamente qualquer um que lide com (e goste de) literatura -ainda que isso exija o esforço de que ele fala. O caderno traz 23 verbetes, do "a" de Aleph ao "z" de Zahir, feitos por especialistas e não-especialistas na obra do autor argentino.
A influência de Borges é tão generalizada, que ele, como seu simétrico oposto ou duplo hipotético, o "anti-Borges", se transformou atualmente quase num precursor universal, doador-modelo a ser imitado, superado ou combatido, nunca ignorado.
O mais espantoso é que para isso acontecer não foram necessárias mais do que duas centenas de páginas. Não se pode, é claro, esquecer que Borges foi um dos fundadores do modernismo argentino e escreveu centenas de poemas que, no conjunto, compõem um dos pontos altos da lírica em língua espanhola deste século. Além disso, como ensaísta, mobilizou o conhecimento de várias línguas, a ampla cultura e uma memória aparentemente tão infinita quanto a de Funes, protagonista de um de seus mais conhecidos textos, para discutir desde as metáforas da literatura islandesa até os tradutores das "Mil e Uma Noites".
É, contudo, nos 34 contos de "Ficções" (1944) e de "O Aleph" (1949) que surge, se aprimora e atinge o auge aquele que viria a ser internacionalmente conhecido como "Borges", um outro, o mesmo. Neles encontram-se obras-primas das diversas modalidades de narrativas curtas praticadas pelo escritor.
Há as resenhas fictícias sobre obras ou autores fictícios, como "Pierre Menard, Autor do Quixote" ou "Exame da Obra de Herbert Quain". Trata-se de textos baseados em um procedimento essencial a Borges, para quem é um "dever laborioso e empobrecedor" fazer livros extensos e "espraiar em 500 páginas uma idéia cuja perfeita exposição cabe em poucos minutos".
Há os contos fantásticos, como "O Imortal" ou "As Ruínas Circulares", e os policiais -entre outros aspectos, paródias elaboradíssimas de textos de Edgar Allan Poe-, como "O Jardim dos Caminhos que se Bifurcam" ou "A Morte e a Bússola".
Há, ainda, os contos em que surge uma Argentina quase mítica -feita de duelos, facas, traições-, como em "Biografia de Tadeo Isidoro Cruz" e "O Sul".
Com o passar dos anos, esses 34 contos fascinam cada vez mais leitores e vêm sendo estudados por uma série incontável de críticos. Borges dizia ver com assombro esse acúmulo de admiradores e intérpretes. Intrigava-o, supostamente, o fato de tais narrativas, em que buscava sobretudo reproduzir o prazer obtido por ele em suas leituras favoritas, atraírem tanta gente.
Talvez o sucesso em cumprir essa singela intenção seja, afinal, o segredo de sua literatura decisiva.


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