São Paulo, Domingo, 01 de Agosto de 1999
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Aleph

NEWTON C.A. DA COSTA
especial para a Folha

Dentre os contos fantásticos de Jorge Luis Borges, destaca-se "O Aleph". Porém o que é o Aleph? Como pode ser interpretado?
Preliminarmente, lembraremos que existe uma lógica da contradição, das inconsistências, daquilo que é e não é. Ela é muito mais forte do que a lógica usual e trata logicamente das situações paradoxais. Chama-se lógica paraconsistente.
Há, por outro lado, uma nova geometria, criada pelo matemático francês Mandelbrot, denominada geometria fractal, que estuda as estruturas fractais. Estas são estruturas tais que, por assim dizer, cada uma de suas partes reproduz, em escala, a estrutura toda. Essas estruturas geométricas estão contidas infinitas vezes dentro delas mesmas.
Sobre o Aleph, Borges afirma o seguinte: "O que a eternidade é para o tempo, o Aleph é para o espaço. Na eternidade todo o tempo -passado, presente e futuro- coexiste simultaneamente. No Aleph, a soma total do universo espacial encontra-se em uma diminuta esfera resplandecente de pouco mais de três centímetros".
"O Aleph" é "o lugar onde estão, sem se confundirem, todos os lugares do mundo, vistos de todos os ângulos".
Acrescenta, ainda, o escritor argentino:
(1) "Toda linguagem é um alfabeto de símbolos cujo exercício pressupõe um passado que os interlocutores compartem; como transmitir aos outros o infinito Aleph...? Os místicos, em transe semelhante, gastam os símbolos: para significar a divindade, um persa fala de um pássaro que, de algum modo, é todos os pássaros; Alanus de Insulis fala de um círculo cujo centro está em todas as partes e a circunferência em nenhuma; Ezequiel fala de um anjo de quatro asas que, ao mesmo tempo, se dirige ao Ocidente e ao Oriente, ao Norte e ao Sul";
(2) "O diâmetro do Aleph seria de dois ou três centímetros, mas o espaço cósmico ali estava sem diminuição de tamanho. Cada coisa (...) era infinitas coisas, porque eu a via claramente de todos os pontos do universo".
Uma interpretação "borgiana" e fantástica do fantástico Aleph é a seguinte: de (1) acima e de outras passagens, percebe-se que o Aleph encerra contradições, inconsistências; de (2), parece que a estrutura do Aleph é fractal. Logo, o Aleph constitui síntese mística da paraconsistência e do fractal. O Aleph, pois, simboliza a lógica paraconsistente e a geometria fractal.
Nota - Outro conto de Borges, "O Jardim dos Caminhos que se Bifurcam", também foi associado a temas científicos, a saber, a teoria de Everett-Wheeler dos mundos paralelos em mecânica quântica.
Referências:
N.C.A. da Costa, "Logiques Classiques et non Classiques" (Masson); N. Rescher, "The Primacy of Practice" (B. Blackwell); A. Dobb, "Heller Wahnsinn" (Tecklenburg); K. S. Zadeh, "Der Mensoh ist eine Schlauch" (Burgverlag).



Newton C. A. da Costa é matemático e filósofo, professor do departamento de filosofia da USP e autor, entre outros, de "O Conhecimento Científico" (Discurso Editorial/Fapesp).
Este texto foi escrito com a colaboração de Lars Eriksen.




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