|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Aleph
NEWTON C.A. DA COSTA
especial para a Folha
Dentre os contos fantásticos de
Jorge Luis Borges, destaca-se "O
Aleph". Porém o que é o Aleph?
Como pode ser interpretado?
Preliminarmente, lembraremos
que existe uma lógica da contradição, das inconsistências, daquilo
que é e não é. Ela é muito mais forte do que a lógica usual e trata logicamente das situações paradoxais. Chama-se lógica paraconsistente.
Há, por outro lado, uma nova
geometria, criada pelo matemático francês Mandelbrot, denominada geometria fractal, que estuda as estruturas fractais. Estas são
estruturas tais que, por assim dizer, cada uma de suas partes reproduz, em escala, a estrutura toda. Essas estruturas geométricas
estão contidas infinitas vezes dentro delas mesmas.
Sobre o Aleph, Borges afirma o
seguinte: "O que a eternidade é
para o tempo, o Aleph é para o espaço. Na eternidade todo o tempo
-passado, presente e futuro-
coexiste simultaneamente. No
Aleph, a soma total do universo
espacial encontra-se em uma diminuta esfera resplandecente de
pouco mais de três centímetros".
"O Aleph" é "o lugar onde estão,
sem se confundirem, todos os lugares do mundo, vistos de todos
os ângulos".
Acrescenta, ainda, o escritor argentino:
(1) "Toda linguagem é um alfabeto de símbolos cujo exercício
pressupõe um passado que os interlocutores compartem; como
transmitir aos outros o infinito
Aleph...? Os místicos, em transe
semelhante, gastam os símbolos:
para significar a divindade, um
persa fala de um pássaro que, de
algum modo, é todos os pássaros;
Alanus de Insulis fala de um círculo cujo centro está em todas as
partes e a circunferência em nenhuma; Ezequiel fala de um anjo
de quatro asas que, ao mesmo
tempo, se dirige ao Ocidente e ao
Oriente, ao Norte e ao Sul";
(2) "O diâmetro do Aleph seria
de dois ou três centímetros, mas o
espaço cósmico ali estava sem diminuição de tamanho. Cada coisa
(...) era infinitas coisas, porque eu
a via claramente de todos os pontos do universo".
Uma interpretação "borgiana" e
fantástica do fantástico Aleph é a
seguinte: de (1) acima e de outras
passagens, percebe-se que o
Aleph encerra contradições, inconsistências; de (2), parece que a
estrutura do Aleph é fractal. Logo,
o Aleph constitui síntese mística
da paraconsistência e do fractal. O
Aleph, pois, simboliza a lógica paraconsistente e a geometria fractal.
Nota - Outro conto de Borges,
"O Jardim dos Caminhos que se
Bifurcam", também foi associado
a temas científicos, a saber, a teoria de Everett-Wheeler dos mundos paralelos em mecânica quântica.
Referências:
N.C.A. da Costa, "Logiques Classiques et
non Classiques" (Masson); N. Rescher,
"The Primacy of Practice" (B. Blackwell);
A. Dobb, "Heller Wahnsinn" (Tecklenburg); K. S. Zadeh, "Der Mensoh ist eine
Schlauch" (Burgverlag).
Newton C. A. da Costa é matemático e filósofo, professor do departamento de filosofia da USP e autor, entre outros, de "O Conhecimento Científico" (Discurso Editorial/Fapesp).
Este texto foi escrito com a colaboração de
Lars Eriksen.
Texto Anterior: Adriano Schwartz: Enciclopédia Borges Próximo Texto: Aurora F. Bernardini: Caminho Índice
|