São Paulo, domingo, 01 de outubro de 2006

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+ moda

O establishment veste Armani

O estilista italiano diz que cria suas coleções para o público, e não para o mundo fashion

VANESSA FRIEDMAN
Giorgio Armani ocupa um lugar merecido na história da moda por seu terno "power" desconstruído, que mudou a maneira como homens e mulheres se vestem. E ocupa um lugar no panteão da cultura pop por ter apresentado a alta moda a Hollywood e, na prática, criado toda a experiência moderna do tapete vermelho.
Por outro lado, nas últimas temporadas venho sentindo apenas confusão quando assisto a seus desfiles. Mulheres de calçolas? Ou em chapéus que parecem casquinhas de sorvete invertidas? Mulheres em vestidos de noite com lantejoulas e pregas fartas?
Não entendi o espírito da coisa, e não fui a única. Mas uma coisa é interessante: embora freqüentemente seja acusado de viver num mundo protegido e fechado, sua versão própria e altamente lisonjeira da realidade, Armani de certa maneira entende por que nós não entendemos.
"Crio coleções para o público comprador, não para a indústria da moda", diz ele, não em tom de pouco caso, mas um pouco como se estivesse repetindo algo que já disse muitas vezes antes, quando finalmente chega para a entrevista, usando a camiseta justa azul que é sua marca registrada (aos 72 anos de idade, Armani ostenta forma física surpreendente e gosta de exibir seus músculos peitorais).
"Todo estilista nasce dentro de sua caixinha de moda própria", diz ele, "e, se você tenta mudá-la, o mundo fashion vai dizer "isso não é Armani. Armani é isso ou aquilo. É esse o tipo de Armani que quero ver'".
"No entanto ando nas ruas em Londres e jovens vêm falar comigo para discutir meu trabalho. É tão diferente daquilo com que estão acostumados! Não há piercings. E é muito menos eclético."

"Gigolô Americano"
Parece que Giorgio Armani, o mais establishment de todos os estilistas, criador dos ternos de executivos-chefe, bilionário proprietário de seis residências, sempre se sentiu um "outsider". Incompreendido. É por isso que sempre se sente movido a obrigar todo mundo a experimentar suas novidades.
Ele nasceu em 1934, em Piacenza, não numa das regiões italianas conhecidas pela moda, e cresceu durante a Segunda Guerra. Depois de abandonar o estudo de medicina para trabalhar como comprador na La Rinascente, a mais célebre loja de departamentos da Itália, foi trabalhar para Nino Cerruti, aprendeu a arte da alfaiataria e finalmente montou seu negócio próprio aos 40 anos.
Sua linha de moda masculina, que jogou por terra o terno tradicional dos homens de negócios, virou sucesso internacional, graças em parte a Richard Gere e "Gigolô Americano" (1980). E desde então, como Armani ressalta, o mundo vem tentando congelá-lo no tempo, naquele instante.
Sua linha de roupas para a noite compôs uma grande parte da recente retrospectiva Armani montada pelo Guggenheim, e sua linha de acessórios cresceu 200% entre 2003 e 2005. Sua alta-costura é algo raro: lucrativa.
"Houve uma época em que eu fazia coisas rápidas, apenas para constar das primeiras páginas dos jornais", prossegue, possivelmente (espero) fazendo referência oblíqua às calçolas. "Mas existem outras maneiras, mais interessantes, de chamar a atenção."
"Tenho muitas idéias próprias e quero assegurar que elas sejam ouvidas." E ele acha que elas são? "Às vezes", diz Armani. Ele faz uma pausa. "Mas às vezes me sinto um Dom Quixote investindo contra moinhos de vento. Tudo depende de como dormi na noite anterior."


A íntegra deste texto saiu no "Financial Times".
Tradução de Clara Allain.


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