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A Ciência e os limites do consenso
especial para a Folha
A base científica do efeito estufa
tem sua bíblia no alentado volume
"Mudança Climática 1995 - A
Ciência da Mudança Climática"
(572 págs.). É o último relatório do
IPCC (Painel Intergovernamental
sobre Mudança Climática, em inglês), entidade criada em 1988 pela
ONU e pela Organização Meteorológica Mundial para assessorar governos. Apesar de reunir mais de
2.000 pesquisadores, trata-se do
alvo preferido dos "céticos" como Richard Lindzen, professor do
prestigiado MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts).
Os céticos são uns poucos cientistas que ainda combatem a idéia
de aquecimento global como resultado da ação humana. Lindzen
é talvez o menos controvertido deles, por suas credenciais científicas
e também porque não aceita verbas de pesquisa de empresas com
interesse na área. Menos respeitado é Fred Singer, que lidera a Climate Coalition, uma ONG contra
o efeito estufa sustentada com
fundos de setores industriais insatisfeitos com o IPCC.
Muita gente respeita Richard
Lindzen, mesmo entre os que já se
dão por convencidos do aquecimento global. Como Luiz Gylvan
Meira Filho, um dos seis autores
principais do relatório de 1995 do
IPCC, presidente da Agência Espacial Brasileira e membro da delegação em Buenos Aires, que se
refere ao norte-americano como
"meu amigo Dick Lindzen". Leia
abaixo o que Lindzen disse sobre o
trabalho de Meira Filho e seus colegas numa entrevista por e-mail
desde Paris.
(Marcelo Leite)
Folha - O sr. se sente confortável
com o rótulo de "cético" em matéria de mudança climática global,
em especial quando ele é usado
em associação com nomes como o
de Fred Singer?
Richard Lindzen - Ceticismo é o
cerne da ciência, mas o equívoco
do público sobre o que é ciência
leva ao uso depreciativo.
Qual é o problema com Singer?
Ele contribuiu mais para as ciências da Terra do que qualquer
cientista do Brasil que eu conheça.
No momento, ele atua mais como
militante do que propriamente como cientista, mas sua pesquisa é
muito mais forte do que a dos militantes do movimento ambientalista. É certamente essencial que haja
militantes opostos ao movimento
verde porque suas afirmações são
absurdas, mesmo pelos critérios
do IPCC, e contribuem para confundir maciçamente o público.
Folha - O sr. já foi acusado de
conflito de interesses, como ser financiado por companhias de petróleo ou carvão? É uma crítica
muito comum contra os céticos.
Lindzen - Claro. Como ressaltou há poucos anos Ted Koppel,
conhecido jornalista da TV, o vice-presidente Gore (dos EUA) pediu pessoalmente a repórteres esse
tipo de denúncia. Koppel recusou-se, mas outro, Ross Gelbspan,
escreveu um livro com esse fim.
Folha - O que exatamente o sr.
questiona na idéia de mudança climática e de efeito estufa?
Lindzen - Muito do que eu
questiono é a exageração da ciência estabelecida por militantes ambientais. No entanto minha posição (com a qual concordam muitos participantes do IPCC) é a de
que nenhuma alteração observada
até agora pode ser distinguida da
variabilidade natural; que os modelos são atualmente incapazes de
estabelecer os limites da resposta
esperada ao aumento de CO2; que,
do ponto de vista das observações,
não há qualquer conexão entre ciclones tropicais e aquecimento;
que nada do que foi proposto em
Kyoto vá levar a alguma mudança
significativa no clima, independentemente do que se acredite.
Folha - Como o sr. avalia em termos científicos os trabalhos produzidos pelo IPCC? O sr. foi ouvido
por algum de seus comitês?
Lindzen - O corpo do relatório
do grupo de trabalho 1 (encarregado de sumarizar a pesquisa sobre
mudança climática) é medíocre,
mas nem de perto tão ruim quanto
o sumário para administradores
públicos, no meu entendimento
intencionalmente desorientador.
Eu servi como revisor, e tive alguma influência. Vou participar
mais da próxima versão, mas a dedicação em termos de tempo é absurda para um cientista da ativa.
Folha - Pelo menos dois trabalhos recentes deram mais suporte
para a noção de que emissões antropogênicas (causadas pelo homem) são responsáveis pelo aumento de temperatura observado
neste século: a análise por Henry
Pollack de temperaturas subterrâneas fósseis, na "Science", e as correções de Frank Wentz para as medidas de temperaturas por satélite, na "Nature". Houve algo tão
significativo contradizendo a noção de mudança climática?
Lindzen - Não tenho certeza do
que o sr. está falando em relação a
Pollack, mas o texto de Wentz nada muda no debate científico. O
problema com os dados de satélites com respeito aos dados de superfície é que eles mostravam muito menos aquecimento. Isso vai
contra a teoria do efeito estufa (e
também os resultados dos modelos). A "correção" de Wentz não
muda esse fato. No entanto, como
mostra (John) Christy em trabalho
submetido para publicação, a
"correção" é enorme, e os dados
de satélites continuam a mostrar
um leve e insignificante desaquecimento nos últimos 20 anos.
Vários trabalhos recentes na literatura profissional (McGuirk, Bates, Spencer e outros) mostram
claramente que os modelos estão
seriamente errados na representação de processos essenciais para o
aquecimento. Portanto, parece-me que o caminho prudente seria tirar a ciência a limpo antes de
impor regulamentações.
Folha - O sr. concordaria com a
afirmação de que há um consenso
científico em torno da noção de
mudança climática? Em caso afirmativo, diria que ele é baseado em
ciência sólida ou espúria?
Lindzen - Suponho que quase
todo pesquisador do clima concordaria em que a mudança climática é uma "questão séria". O sr.
espera que eles argumentem publicamente que seu objeto de estudo não é sério? Mais, acho que a
maioria dos cientistas concorda
que é mais provável que o aumento do CO2 aqueça e não que desaqueça o clima. Além disso, não
acredito que haja muito consenso
científico. O sistema político e os
grupos de pressão traduziram tal
consenso em uma "necessidade"
de ação Ämas essa é uma matéria
mais política do que científica. Por
certo os próprios cientistas não
deixam de ter convicções políticas.
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