São Paulo, domingo, 1 de novembro de 1998

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A Ciência e os limites do consenso

especial para a Folha

A base científica do efeito estufa tem sua bíblia no alentado volume "Mudança Climática 1995 - A Ciência da Mudança Climática" (572 págs.). É o último relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática, em inglês), entidade criada em 1988 pela ONU e pela Organização Meteorológica Mundial para assessorar governos. Apesar de reunir mais de 2.000 pesquisadores, trata-se do alvo preferido dos "céticos" como Richard Lindzen, professor do prestigiado MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts).
Os céticos são uns poucos cientistas que ainda combatem a idéia de aquecimento global como resultado da ação humana. Lindzen é talvez o menos controvertido deles, por suas credenciais científicas e também porque não aceita verbas de pesquisa de empresas com interesse na área. Menos respeitado é Fred Singer, que lidera a Climate Coalition, uma ONG contra o efeito estufa sustentada com fundos de setores industriais insatisfeitos com o IPCC.
Muita gente respeita Richard Lindzen, mesmo entre os que já se dão por convencidos do aquecimento global. Como Luiz Gylvan Meira Filho, um dos seis autores principais do relatório de 1995 do IPCC, presidente da Agência Espacial Brasileira e membro da delegação em Buenos Aires, que se refere ao norte-americano como "meu amigo Dick Lindzen". Leia abaixo o que Lindzen disse sobre o trabalho de Meira Filho e seus colegas numa entrevista por e-mail desde Paris. (Marcelo Leite)

Folha - O sr. se sente confortável com o rótulo de "cético" em matéria de mudança climática global, em especial quando ele é usado em associação com nomes como o de Fred Singer?
Richard Lindzen -
Ceticismo é o cerne da ciência, mas o equívoco do público sobre o que é ciência leva ao uso depreciativo.
Qual é o problema com Singer? Ele contribuiu mais para as ciências da Terra do que qualquer cientista do Brasil que eu conheça. No momento, ele atua mais como militante do que propriamente como cientista, mas sua pesquisa é muito mais forte do que a dos militantes do movimento ambientalista. É certamente essencial que haja militantes opostos ao movimento verde porque suas afirmações são absurdas, mesmo pelos critérios do IPCC, e contribuem para confundir maciçamente o público.
Folha - O sr. já foi acusado de conflito de interesses, como ser financiado por companhias de petróleo ou carvão? É uma crítica muito comum contra os céticos.
Lindzen -
Claro. Como ressaltou há poucos anos Ted Koppel, conhecido jornalista da TV, o vice-presidente Gore (dos EUA) pediu pessoalmente a repórteres esse tipo de denúncia. Koppel recusou-se, mas outro, Ross Gelbspan, escreveu um livro com esse fim.
Folha - O que exatamente o sr. questiona na idéia de mudança climática e de efeito estufa?
Lindzen -
Muito do que eu questiono é a exageração da ciência estabelecida por militantes ambientais. No entanto minha posição (com a qual concordam muitos participantes do IPCC) é a de que nenhuma alteração observada até agora pode ser distinguida da variabilidade natural; que os modelos são atualmente incapazes de estabelecer os limites da resposta esperada ao aumento de CO2; que, do ponto de vista das observações, não há qualquer conexão entre ciclones tropicais e aquecimento; que nada do que foi proposto em Kyoto vá levar a alguma mudança significativa no clima, independentemente do que se acredite.
Folha - Como o sr. avalia em termos científicos os trabalhos produzidos pelo IPCC? O sr. foi ouvido por algum de seus comitês?
Lindzen -
O corpo do relatório do grupo de trabalho 1 (encarregado de sumarizar a pesquisa sobre mudança climática) é medíocre, mas nem de perto tão ruim quanto o sumário para administradores públicos, no meu entendimento intencionalmente desorientador.
Eu servi como revisor, e tive alguma influência. Vou participar mais da próxima versão, mas a dedicação em termos de tempo é absurda para um cientista da ativa.
Folha - Pelo menos dois trabalhos recentes deram mais suporte para a noção de que emissões antropogênicas (causadas pelo homem) são responsáveis pelo aumento de temperatura observado neste século: a análise por Henry Pollack de temperaturas subterrâneas fósseis, na "Science", e as correções de Frank Wentz para as medidas de temperaturas por satélite, na "Nature". Houve algo tão significativo contradizendo a noção de mudança climática?
Lindzen -
Não tenho certeza do que o sr. está falando em relação a Pollack, mas o texto de Wentz nada muda no debate científico. O problema com os dados de satélites com respeito aos dados de superfície é que eles mostravam muito menos aquecimento. Isso vai contra a teoria do efeito estufa (e também os resultados dos modelos). A "correção" de Wentz não muda esse fato. No entanto, como mostra (John) Christy em trabalho submetido para publicação, a "correção" é enorme, e os dados de satélites continuam a mostrar um leve e insignificante desaquecimento nos últimos 20 anos.
Vários trabalhos recentes na literatura profissional (McGuirk, Bates, Spencer e outros) mostram claramente que os modelos estão seriamente errados na representação de processos essenciais para o aquecimento. Portanto, parece-me que o caminho prudente seria tirar a ciência a limpo antes de impor regulamentações.
Folha - O sr. concordaria com a afirmação de que há um consenso científico em torno da noção de mudança climática? Em caso afirmativo, diria que ele é baseado em ciência sólida ou espúria?
Lindzen -
Suponho que quase todo pesquisador do clima concordaria em que a mudança climática é uma "questão séria". O sr. espera que eles argumentem publicamente que seu objeto de estudo não é sério? Mais, acho que a maioria dos cientistas concorda que é mais provável que o aumento do CO2 aqueça e não que desaqueça o clima. Além disso, não acredito que haja muito consenso científico. O sistema político e os grupos de pressão traduziram tal consenso em uma "necessidade" de ação Ämas essa é uma matéria mais política do que científica. Por certo os próprios cientistas não deixam de ter convicções políticas.



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