São Paulo, domingo, 02 de abril de 2000


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Ponto de fuga

Você disse barroco?

Jorge Coli
especial para a Folha

Entre as noções que circulam pela história da arte, reunindo e dando sentido a fluxos de obras, barroco encontra-se talvez num limite extremo. Demonstra, como poucas, a espessura, as flutuações, as imprecisões sedutoras que fazem parte da natureza deste tipo de palavra. Nelas, o esforço que tende à precisão é contrabalançado pela própria história do termo. Admiráveis pensadores vêm se debruçando sobre a noção de barroco há mais de cem anos, enriquecendo-a, dilatando-a, criando ramificações e desvios. Um dos seus pólos principais reúne diferentes formas de compreensão sobre as transformações que sofreram, nos séculos 17 e 18, as artes herdadas da Renascença.
Para empregar bem a palavra, é preciso dominar essa história que não cessa. Philippe Beaussant, musicólogo, é seu último grande exegeta: ele incorporou à idéia de barroco um sentido do comportamento humano, do gesto, das inflexões, dos costumes, da roupa, da festa. Escreveu um pequeno ensaio, "Versailles - Opéra" (Gallimard), não a ópera em Versalhes, mas Versalhes como ópera. É uma chave essencial, abrindo portas novas e definitivas. Prolonga-se em "Vous Avez Dit Baroque?" (Babel), um pouco mais centrado sobre pontos de interpretação musical.
"Louis 14 Artiste" (Payot), leva ao apogeu os poderes que Philippe Beaussant possui em articular, para compreendê-los, setores muito variados da cultura. Cruzando-as na figura do Rei Sol, o mais soberbo dos monarcas "barrocos", política e arte nunca se separam. Barroco é, de fato, uma bela palavra, que nenhum purismo, felizmente, conseguirá eliminar.

Água - Os conhecimentos e a grande intuição histórica de Beaussant são seus instrumentos heurísticos. Mas a esses dois acrescenta-se um terceiro: o estilo, vivo e elegante, que se esconde atrás das palavras límpidas. Nada de tom pernóstico, muito menos o deleite do pedante com a própria obscuridade. Fascinado pelas múltiplas trajetórias da cultura, Beaussant também incorpora, às vezes, observações estimulantes sobre Mendelssohn, Brahms ou Bizet.
Distingue-se assim de certos especialistas que, fechados no período anterior, terminaram por criar uma curiosa aversão ao século 19.

Brilhantina - A música de Rossini é a mais enérgica e revigorante que existe. Ela não é exatamente engraçada, tanto que o compositor empregava, sem escrúpulos, a mesma abertura ou "sinfonia", como se denominava então tanto para ópera bufa quanto para ópera séria. Stendhal notava que essa música afasta toda "melancolia", no sentido que, então, atribuía-se à palavra: inércia, morosidade, ausência de ação. Mas, associada a uma trama e a um libreto divertidos, conduz o riso a paroxismos, sobretudo se for tratada por um elenco dinâmico, ágil, à vontade nos diferentes papéis.
O que ocorreu com "O Barbeiro de Sevilha", montado no teatro São Pedro, em SP, foi esse estado de graça, cheio de gargalhadas. Szot, Portari, Tessuto cantavam, Flavio Florence regia, à frente da orquestra sinfônica de Santo André. Todo esse mundo se esbaldava, levado pelo ritmo endiabrado da ação, dirigida por Walter Neiva. Sem pretensão, com meios modestos, foi como se se tivesse voltado aos tempos em que a ópera era, de fato, um espetáculo popular.

Arco - Professora abandonada pelo marido cria, em escola de um dos piores bairros de Nova York, uma classe de violinos com excelentes resultados. Ou seja, um horror de história. Wes Craven sempre fez ótimos filmes de horror, embora de outro tipo. Pela primeira vez aborda um projeto "sério" e faz um milagre, por uma espécie de discreta tensão sem floreios. "Música do Coração" é ótimo. Lembra Frank Capra, onde bons sentimentos parecem verdadeiros.


Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: coli20@hotmail.com


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