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Ponto de fuga
Você disse barroco?
Jorge Coli
especial para a Folha
Entre as noções que circulam pela
história da arte, reunindo e dando sentido a fluxos de obras, barroco encontra-se talvez num limite extremo. Demonstra, como poucas, a espessura, as
flutuações, as imprecisões sedutoras
que fazem parte da natureza deste tipo
de palavra. Nelas, o esforço que tende à
precisão é contrabalançado pela própria história do termo. Admiráveis
pensadores vêm se debruçando sobre a
noção de barroco há mais de cem anos,
enriquecendo-a, dilatando-a, criando
ramificações e desvios. Um dos seus
pólos principais reúne diferentes formas de compreensão sobre as transformações que sofreram, nos séculos 17 e
18, as artes herdadas da Renascença.
Para empregar bem a palavra, é preciso dominar essa história que não cessa.
Philippe Beaussant, musicólogo, é seu
último grande exegeta: ele incorporou
à idéia de barroco um sentido do comportamento humano, do gesto, das inflexões, dos costumes, da roupa, da festa. Escreveu um pequeno ensaio, "Versailles - Opéra" (Gallimard), não a ópera em Versalhes, mas Versalhes como
ópera. É uma chave essencial, abrindo
portas novas e definitivas. Prolonga-se
em "Vous Avez Dit Baroque?" (Babel),
um pouco mais centrado sobre pontos
de interpretação musical.
"Louis 14 Artiste" (Payot), leva ao
apogeu os poderes que Philippe Beaussant possui em articular, para compreendê-los, setores muito variados da
cultura. Cruzando-as na figura do Rei
Sol, o mais soberbo dos monarcas "barrocos", política e arte nunca se separam. Barroco é, de fato, uma bela palavra, que nenhum purismo, felizmente,
conseguirá eliminar.
Água - Os conhecimentos e a grande
intuição histórica de Beaussant são
seus instrumentos heurísticos. Mas a
esses dois acrescenta-se um terceiro: o
estilo, vivo e elegante, que se esconde
atrás das palavras límpidas. Nada de
tom pernóstico, muito menos o deleite
do pedante com a própria obscuridade.
Fascinado pelas múltiplas trajetórias da
cultura, Beaussant também incorpora,
às vezes, observações estimulantes sobre Mendelssohn, Brahms ou Bizet.
Distingue-se assim de certos especialistas que, fechados no período anterior, terminaram por criar uma curiosa
aversão ao século 19.
Brilhantina - A música de Rossini é a
mais enérgica e revigorante que existe.
Ela não é exatamente engraçada, tanto
que o compositor empregava, sem escrúpulos, a mesma abertura ou "sinfonia", como se denominava então tanto
para ópera bufa quanto para ópera séria. Stendhal notava que essa música
afasta toda "melancolia", no sentido
que, então, atribuía-se à palavra: inércia, morosidade, ausência de ação. Mas,
associada a uma trama e a um libreto
divertidos, conduz o riso a paroxismos,
sobretudo se for tratada por um elenco
dinâmico, ágil, à vontade nos diferentes
papéis.
O que ocorreu com "O Barbeiro de
Sevilha", montado no teatro São Pedro,
em SP, foi esse estado de graça, cheio de
gargalhadas. Szot, Portari, Tessuto cantavam, Flavio Florence regia, à frente da
orquestra sinfônica de Santo André.
Todo esse mundo se esbaldava, levado
pelo ritmo endiabrado da ação, dirigida
por Walter Neiva. Sem pretensão, com
meios modestos, foi como se se tivesse
voltado aos tempos em que a ópera era,
de fato, um espetáculo popular.
Arco - Professora abandonada pelo
marido cria, em escola de um dos piores bairros de Nova York, uma classe de
violinos com excelentes resultados. Ou
seja, um horror de história. Wes Craven sempre fez ótimos filmes de horror,
embora de outro tipo. Pela primeira vez
aborda um projeto "sério" e faz um milagre, por uma espécie de discreta tensão sem floreios. "Música do Coração"
é ótimo. Lembra Frank Capra, onde
bons sentimentos parecem verdadeiros.
Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: coli20@hotmail.com
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