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Conversão proibida
"A Crise da Origem" foca as interpretações dos Evangelhos no século 20
NICOLAS WEILL
O
processo de adaptação do
catolicismo à modernidade vem obedecendo a ritmos tão imperceptíveis
que a impressão que se tem é que,
nessa área, apenas retrospectivamente é possível dar-se conta do caminho que já foi percorrido.
A contribuição de "La Crise de l'Origine -La Science Catholique des
Evangiles et l'Histoire au XXe. Siècle" (A Crise da Origem - A Ciência
Católica dos Evangelhos e a História
no Século 20), de François Laplanche, consiste, para começar, em traçar todos os desvios do dito caminho, ressaltando a paciente maturação que levou até a revolução que foi
o concílio Vaticano 2º.
O livro também mostra que os intelectuais, filósofos ou teólogos não
foram os verdadeiros arquitetos dessa modernização. Pelo contrário, ela
deve ser atribuída sobretudo ao
mundo dos exegetas e, de maneira
mais geral, àqueles que, dentro do
clero regular, se esforçaram para integrar à doutrina as informações
fornecidas por uma ciência das religiões que se encontrava em plena
expansão.
Desde os trabalhos dos estudiosos
do século 19 -encabeçados pelos de
Renan-, o canteiro de obras de fato
se encontrava em estado de revolução permanente. Mais recentemente, a decifração dos manuscritos do
mar Morto fez com que o cristianismo nascente fosse situado não tanto
no terreno das religiões ligadas aos
mistérios da Antigüidade helenista
quanto no contexto judaico-palestino do tempo de Jesus.
Renúncia ao combate
Para que essa evolução pudesse ser
aceitável aos cristãos, ainda seria
preciso que os historiadores renunciassem, em favor de um comparatismo melhor localizado, à idéia de
combate, segundo a qual a comparação das crenças entre elas deveria
necessariamente resultar em uma
espécie de culto primeiro ao qual todas elas seriam redutíveis: magia,
mistério, xamanismo ou teologia
primeira.
Apresentada em todos os seus detalhes por François Laplanche, diretor honorário de pesquisas do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas (CNRS), essa história é marcada por três textos pontificais que
confirmam a reorientação do olhar
da igreja sobre suas próprias origens. A encíclica "Pascendi", em
1907, reafirma primeiramente o caráter histórico do texto sagrado e o
valor da tradição católica, por meio
da atribuição dos textos bíblicos a
seus autores designados (Moisés, no
caso do Pentateuco).
Em contrapartida, "Divino Afflante Spiritu" (1943) insiste na necessidade de os membros da igreja "respeitarem o trabalho dos exegetas e a
autonomia de suas pesquisas, pois
as regras de interpretação da igreja
dizem respeito apenas à fé e aos costumes". A constituição "Dei Verbum" (1965) terminará por estabelecer a distinção entre a "verdade",
vista como a salvação, e a "historicidade dos acontecimentos" relatados
nas Escrituras.
Clérigos progressistas
Como se explica tal virada? Pela
ação paciente dos clérigos ditos
"progressistas", que pensaram que o
catolicismo poderia submeter-se à
prova da ciência e da razão, sem se
perder. Os intelectuais que retornam
à fé no espírito da rejeição ou da crítica da modernidade contribuem
pouco para esse movimento, que
não deixa de perturbar a "base".
Quanto à "exegese espiritual", de
um Claudel, por exemplo, pouco
sensível às descobertas dos filólogos
ou dos arqueólogos, ela não permite
responder à questão de fundo que
atravessa o livro: existem possibilidades de reconfigurar a posição do
crente com relação à Bíblia, ao mesmo tempo permanecendo no interior da tradição?
Laplanche considera que essa tarefa era mais difícil para os católicos
do que para os protestantes, na medida em que os primeiros atribuem
mais importância que os segundos à
existência de uma instituição ao
mesmo tempo divina e visível (a
igreja), com o peso de seus séculos
de história.
Este texto foi publicado no "Le Monde".
Tradução de Clara Allain.
La Crise de l'Origine
718 págs., 30, R$ 80
de François Laplanche. Éd. Albin Michel.
Onde encomendar
Livros em francês podem ser encomendados na Livraria Francesa (0/ xx/11/ 3231-4555), em São Paulo, ou no site
www.alapage.com
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