São Paulo, domingo, 02 de agosto de 2009

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6x Euclides

INTELECTUAIS APONTAM TRAÇOS MARCANTES DA PERSONALIDADE DO AUTOR DE "OS SERTÕES"

Escritor "fin-de-siècle"

JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA

Euclydes da Cunha escreveu, com "Os Sertões", uma epopeia decadentista. Eram tempos em que o poeta [francês] Leconte de Lisle traduzia Homero e os trágicos da Grécia com termos preciosos e rebuscados, alterando, em erudição abstrusa e elegante, nomes próprios: Aquiles e Agamenão tornavam-se Akhilleus e Againemnôn. [O tradutor francês J.C.] Mardrus também, em sua versão de "As Mil e uma Noites", empregava frases sinuosas, erotizadas por adjetivos faiscantes como gemas.
A melhor maneira de ler "Os Sertões" é em alguma velha edição, ainda na ortografia etimológica. Euclydes da Cunha gostava dos ph, th, y, k, w, ff, ll; essas formas cultas lhe pareciam conferir uma aura rara às palavras. Gostava ainda dos termos científicos esdrúxulos e dos períodos emaranhados.
Tudo isso faz parte do clima decadentista, no qual se misturavam o prazer do luxo refinado e a busca por sensações fortes, violência, crueldade, sangue, podridão. Mescla perversa e sofisticada.
Euclydes da Cunha encarnou, em sua vida, um personagem imerso nesse clima. Os episódios terríveis, míticos e falsos, contados a seu respeito, o bebê enterrado no quintal, os escarros sanguinolentos em uma bacia que ele teria forçado sua esposa doente a beber, parecem episódios de algum romance da época. Os fatos verdadeiros também, desde o gesto nervoso de revolta na Escola Militar [em 1888] até o trágico final, que se desdobrou em seu assassinato e no do filho pelo jovem amante da mulher.


JORGE COLI é professor de história da arte e da cultura na Universidade Estadual de Campinas.


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