São Paulo, domingo, 02 de setembro de 2001

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O inventor do termo esclarece as principais dúvidas sobre o conceito

QUESTIONÁRIO INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

Peter Menzel/"Robo Sapiens" (MIT Press)
Marvin Minsky, um dos fundadores do Laboratório de Inteligência Artificial do MIT


por John McCarthy

O que é inteligência artificial?
É a ciência e a engenharia aplicadas à elaboração de máquinas inteligentes, em especial programas de computador inteligentes. Ela é relacionada ao trabalho semelhante de utilizar computadores para compreender a inteligência humana, mas a inteligência artificial não precisa se restringir a métodos biologicamente observáveis.
Sim, mas o que é inteligência?
Inteligência é a parte computacional da habilidade de atingir metas no mundo. Inteligências de graus e tipos variados ocorrem em pessoas, em vários animais e em algumas máquinas. Será que não existe uma definição sólida de inteligência que não precise ser relacionada à inteligência humana? Ainda não. O problema é que nós ainda não podemos caracterizar de forma geral que tipos de procedimento computacional nós queremos chamar de inteligentes. Entendemos alguns mecanismos da inteligência, e não outros.
É a inteligência uma coisa única, de forma que alguém possa perguntar se uma máquina é ou não é inteligente?
Não. A inteligência envolve mecanismos, e a pesquisa em inteligência artificial descobriu como fazer os computadores desempenharem alguns deles, não outros. Se executar um trabalho requer apenas mecanismos que são bem compreendidos hoje, computadores podem ter desempenhos impressionantes em tal trabalho. Tais programas devem ser considerados "algo inteligentes".
A inteligência artificial não serve para simular inteligência humana?
Às vezes, mas não sempre, nem na maioria das vezes. Por um lado, podemos aprender algo sobre como fazer máquinas solucionarem problemas ao observarmos outras pessoas ou ao observarmos os nossos próprios métodos de resolução de problemas. Por outro lado, a maior parte do trabalho em inteligência artificial envolve o estudo de problemas que o mundo apresenta à inteligência em vez de estudar pessoas ou animais. Pesquisadores em inteligência artificial são livres para usar métodos que não são seguidos por pessoas ou que envolvam muito mais cálculos do que uma pessoa pode fazer.
E quanto a comparações entre inteligência humana e inteligência de computador?
Arthur R. Jensen, um pesquisador de ponta em inteligência humana, sugere "como hipótese heurística" que todos os seres humanos normais têm os mesmos mecanismos intelectuais e que as diferenças em inteligência são relacionadas a "condições bioquímicas e fisiológicas quantitativas". Eu as entendo como velocidade, memória a curto prazo e habilidade de formar memórias a longo prazo precisas e recuperáveis. Estando Jensen certo ou não com relação à inteligência humana, a situação hoje em inteligência artificial é oposta.
Programas de computador têm bastante velocidade e memória, mas suas habilidades correspondem aos mecanismos intelectuais que os programadores compreendem bem o suficiente para colocar nos programas. Algumas habilidades que crianças não desenvolvem até que sejam adolescentes podem estar nesses programas, enquanto algumas habilidades de crianças de dois anos de idade não estão. O problema se agrava pelo fato de as ciências cognitivas ainda não terem tido sucesso em determinar exatamente quais são as habilidades humanas. Muito provavelmente a organização dos mecanismos intelectuais para a inteligência artificial pode ser vantajosamente diferente daquela em pessoas.
Sempre que pessoas desempenham alguma tarefa melhor que computadores ou computadores fazem uso de cálculo excessivo para desempenhá-la tão bem quanto pessoas fica demonstrado que aos programadores falta a compreensão dos mecanismos intelectuais requeridos para desempenhá-la eficientemente.
Quando começou a pesquisa em inteligência artificial?
Após a Segunda Guerra Mundial, um número de pessoas começou a trabalhar independentemente em máquinas inteligentes. O matemático inglês Alan Turing pode ter sido o primeiro. Ele deu uma palestra a respeito em 1947. Ele também pode ter sido o primeiro a decidir que inteligência artificial seria mais bem pesquisada na programação de computadores do que na construção de máquinas. No final da década de 50, havia muitos pesquisadores em inteligência artificial, e a maioria deles baseava o trabalho em programar computadores.
A inteligência artificial almeja colocar a mente humana dentro do computador?
Alguns pesquisadores dizem ter esse objetivo, mas talvez estejam usando a frase metaforicamente. A mente humana possui diversas peculiaridades, e não tenho certeza de que alguém pense seriamente em imitar todas elas.
O que é o teste de Turing?
O artigo de Turing de 1950, "Computing Machinery and Intelligence", discutiu as condições para considerar uma máquina inteligente. Ele argumentou que, se a máquina tivesse êxito em fingir ser humana para um observador perspicaz, então certamente deveria ser considerada inteligente. Esse teste satisfaz à maioria das pessoas, mas não a todos os filósofos. O observador poderia interagir com a máquina e com outro ser humano via teletipo (para evitar a necessidade de a máquina imitar a aparência ou a voz de uma pessoa), a pessoa tentaria persuadir o observador de que a máquina é humana, e a máquina tentaria enganar o observador.
A inteligência artificial almeja obter inteligência do mesmo nível que a humana?
Sim. O esforço último é fazer programas de computador que possam solucionar problemas e atingir metas no mundo tão bem quanto seres humanos. Entretanto muitas pessoas envolvidas em áreas particulares de pesquisa são muito menos ambiciosas.
A que distância a inteligência artificial está de atingir inteligência de mesmo nível que a humana? Quando isso acontecerá?
Algumas pessoas acreditam que inteligência como a humana pode ser atingida ao ser escrito um grande número de programas do tipo que estão sendo escritos hoje e ao montar uma vasta base de fatos do conhecimento nas linguagens hoje utilizadas para expressar conhecimento.
Entretanto a maioria dos pesquisadores em inteligência artificial crê na necessidade de novas idéias fundamentais, portanto não é possível prever quando esse nível de inteligência será atingido.
Os computadores são o tipo ideal de máquina a ser tornada inteligente?
Computadores podem ser programados de forma a simular qualquer tipo de máquina.
Muitos pesquisadores inventaram máquinas que não eram computadores, esperando que elas fossem inteligentes em maneiras diferentes daquelas que os programas de computador podem ser. Todavia eles normalmente simularam suas máquinas inventadas em um computador e duvidaram de que valesse a pena construir a nova máquina. Por terem sido gastos bilhões de dólares em fazer os computadores cada vez mais rápidos, outro tipo de máquina teria de ser muito rápida para ter um desempenho melhor do que o programa de computador simulando essa máquina.
Os computadores são rápidos o suficiente para serem inteligentes?
Algumas pessoas acham que são necessários computadores muito mais rápidos, além de novas idéias. Minha opinião é a de que os computadores de 30 anos atrás já teriam sido rápidos o suficiente se nós tivéssemos sabido como programá-los. É claro que, bem à parte das ambições dos pesquisadores em inteligência artificial, os computadores serão cada vez mais velozes.
E quanto a máquinas paralelas?
Máquinas com muitos processadores são muito mais velozes do que podem ser as com um único processador. Paralelismo em si não apresenta vantagens, e máquinas paralelas são pouco práticas para programar. Quando a velocidade extrema é necessária, essa falta de praticidade deve ser enfrentada.
E quanto a fazer uma "máquina criança" que pudesse se desenvolver lendo e aprendendo com a experiência?
Essa idéia foi proposta muitas vezes desde os anos 40. Eventualmente será posta em prática. Entretanto programas de inteligência artificial ainda não atingiram o estágio de serem capazes de aprender muito do que uma criança aprende por experiência física. Tampouco os programas atuais compreendem linguagem bem o suficiente para aprender algo por meio de leitura.
Poderia um sistema de inteligência artificial obter um nível cada vez mais alto de inteligência, retroalimentando-se sem auxílio, apenas por pensar sobre inteligência artificial?
Penso que sim, mas ainda não estamos em um nível de inteligência artificial em que esse processo possa começar.
E quanto ao xadrez?
Alexander Kronrod, um pesquisador em inteligência artificial russo, disse: "Xadrez é a drosófila da inteligência artificial". Ele fazia analogia com o uso que os geneticistas fazem dessa mosca de frutas para estudar herança genética. Jogar xadrez requer certos mecanismos intelectuais, e não outros. Programas de xadrez agora jogam no mesmo nível de grandes mestres, mas o fazem com mecanismos intelectuais limitados se comparados a um enxadrista humano, substituindo compreensão por grande quantidade de cálculo. Uma vez que tenhamos um melhor entendimento desses mecanismos, poderemos criar programas de xadrez de nível humano que façam muito menos cálculos que os programas atuais.
Infelizmente os aspectos competitivos e comerciais de fazer computadores que joguem xadrez foram priorizados, em vez do uso do xadrez como um domínio científico. É como se os geneticistas após 1910 tivessem organizado corridas de drosófilas e concentrado seus esforços na criação e aprimoramento de moscas para vencer essas corridas.

John McCarthy é professor emérito de ciência da computação da Universidade Stanford (EUA). Cunhou o termo "inteligência artificial" em 1956. O texto acima é uma versão reduzida do questionário. A versão completa pode ser obtida em www-formal.stanford.edu/jmc/whatisai/whatisai.html

Tradução de Victor Aiello Tsu.


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