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Vidas em suspensão
Duas biografias fornecem leituras instigantes sobre a mãe
de Churchill e sobre a mulher de Hitler
PAULO FAGUNDES VIZENTINI
ESPECIAL PARA A FOLHA
As biografias se tornaram, com o advento da pós-modernidade, um gênero literário da
moda, num estilo marcado, geralmente, por um viés individualista pouco contextualizado. Recentemente, todavia, foram lançadas duas obras biográficas de novo tipo: "Os Segredos de Lady Churchill" e "A
História Perdida de Eva
Braun". Elas relatam as vidas
de duas personagens "secundárias", que se desenrolam à sombra de dois grandes personagens políticos, lorde Randolph Churchill (pai de Winston) e
Adolf Hitler.
Trata-se de biografias em
que as existências de ambas se
encontram associadas à história e à sociedade da segunda
metade do século 19 e da primeira metade do século 20.
São livros agradáveis e inteligentes, extremamente bem escritos, com ótimas traduções,
que nos remetem ao apogeu do
Império Britânico e à Alemanha em crise.
Pode-se dizer, ainda, que
constituem obras "revisionistas", fornecendo outra leitura
sobre ambas as personagens.
Aliança política
Jennie Jerome, lady Churchill, era uma bela e voluntariosa norte-americana, filha de
um especulador da Bolsa de Nova York, que passaria parte
de sua vida na França e, especialmente, na Inglaterra.
Os altos e baixos das arriscadas jogadas financeiras paternas levaram a família Jerome a
Paris, de onde escaparam durante a Comuna [1871].
Jennie acabaria se radicando
na Inglaterra, onde se casou
com um membro da alta aristocracia, pode-se dizer, financeiramente precária. Numa época
em que as mulheres não votavam, ela viria a participar ativamente da alta política em seu
país de adoção.
A obra de Charles Higham
nos mostra, por meio de uma
bem-humorada e desmistificadora análise histórica, não apenas a importância da mulher
freqüentemente lembrada por
seu dinamismo, obstinação e
sua turbulenta vida amorosa
mas igualmente a forma como
operavam as sociedades americana e inglesa da época.
A corrupção era a regra dos
grandes negócios, associando o
Parlamento, o governo e os empresários. Na sucessão de
amantes e dos outros dois maridos de Jennie, geralmente da
idade de seus filhos, pode-se
observar os costumes e o outro
lado da sociedade vitoriana, um
mundo que se acaba nos efeitos
da Primeira Guerra Mundial e
da Revolução Soviética, juntamente com a vida da heroína.
Mas, ao mesmo tempo, essa
americana de grande iniciativa
impulsionou a carreira política
do marido e contribuiu fortemente para a formação da personalidade do filho Winston
Churchill.
Extrapolando-se para o plano histórico-político, há aqui
elementos de um amálgama que propiciam ao leitor a compreensão das bases da ulterior
aliança anglo-americana, que perdura até hoje: um impulso
renovador oriundo da ex-colônia em direção à ex-metrópole.
Envolvimento emocional
Já o livro da acadêmica Angela Lambert, filha de um britânico e de uma alemã, sem descuidar dos aspectos histórico-sociais de uma sociedade em crise
avança mais no campo psicológico. Trata-se de uma biografia
de Eva Braun mas também de Hitler, do romance de ambos e
da própria história da sociedade alemã.
A idéia de uma personagem arrivista, medíocre e fútil é desmontada de maneira irrefutável, com base em sólida pesquisa, embora fique claro o envolvimento emocional da autora
com a amante do führer.
Uma dimensão pouco conhecida da personalidade de Hitler
emerge da descrição do seu relacionamento amoroso com a
sobrinha Geli Raubal (19 anos
mais jovem), que se suicidou
em 1931. Com ela, o líder nazista viveu uma paixão conflituosa
que o perturbava, por não poder controlar.
Já Eva, filha de uma família
católica de classe média e oposta ao nazismo, era uma mulher
de porte, embora não fosse
muito bonita.
Vinte e três anos mais jovem
que Adolf, alegre e espirituosa,
Eva se sentiu fortemente atraída por ele e não descansou enquanto não conquistou um lugar ao seu lado.
Limites psicológicos e políticos levaram Hitler a mantê-la
na sombra, a ponto de os serviços de inteligência aliados praticamente ignorarem sua existência. A pouca atenção que recebia do amado a fez, também,
tentar suicídio, sem sucesso, o
que o levou a interromper a
campanha presidencial em
1932 por alguns dias e passar a
manter um relacionamento
mais próximo.
Só assim a família tolerou a
relação, da qual ela jamais tirou
qualquer proveito social ou
material, buscando adaptar-se
ao pequeno espaço que dispunha ao lado dele.
Alegria no caos
Eva soube dar-lhe momentos
de tranqüilidade no Berghof, a
mansão de Hitler nos Alpes,
mantendo-se afastada da política (jamais foi filiada ao Partido Nazista) e apenas friamente
tolerada pela "entourage" do
führer.
Em 1945, com as tropas soviéticas avançando em direção
a Berlim, ela se deslocou para a
capital, passando a viver com
ele no bunker, apesar de Hitler
tentar mantê-la em segurança
na Baviera.
O casamento, 36 horas antes
do suicídio dos dois, parece tê-la deixado muito feliz, atingindo um objetivo sonhado. Assim, a autora conseguiu narrar um romance autêntico, em
meio a uma sociedade mórbida,
como um pequeno mundo calmo no meio de um furacão.
Trata-se de duas obras sensíveis e inteligentes, que ligam os
indivíduos ao todo social, numa
narrativa agradável e instigante. Duas mulheres diferentes,
em dois mundos, demonstram
que as aparências (e os preconceitos) podem enganar.
PAULO FAGUNDES VIZENTINI é historiador e
professor de relações internacionais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
OS SEGREDOS DE
LADY CHURCHILL
Autor: Charles Higham
Tradução: Maria Lucia de Oliveira
Editora: Ed. Record
(tel. 0/xx/21/ 2585-2000)
Quanto: R$ 46 (308 págs.)
A HISTÓRIA PERDIDA
DE EVA BRAUN
Autora: Angela Lambert
Tradução: Cássio de Arantes Leite
Editora: Globo
(tel. 0/xx/11/ 2199-8888)
Quanto: R$ 62 (610 págs.)
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