São Paulo, domingo, 02 de dezembro de 2001 |
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Leia a seguir artigo do criador do "Sítio do Picapau Amarelo" sobre o filme "Fantasia", de Disney, que faz parte do livro "Figuras do Brasil" O grande criador
Fantasia" (1) deixou-me estarrecido. É a expressão.
Estarrecido. E embaraçado para definir. Tudo tão
novo, tudo tão inédito, que o vocabulário crítico
usual mostra-se impotente. Disney é um tipo novo de gênio e sua arte é uma arte total e absolutamente
nova, jamais prevista nem pelas mais delirantes imaginações (2). Até o aparecimento de Disney, o cinema não
passava duma conjugação do teatro com a fotografia.
Era uma representação teatral fotografada em todos os
seus movimentos, cores e sons. Disney criou a grande
coisa nova; a conjugação da fotografia com a imaginação. O desenho genial de Disney permite que todas as
criações da imaginação possam ser fotografadas e projetadas com a riqueza dos sonhos. Uma arte, pois, absolutamente nova e jamais prevista. Tudo quanto é absolutamente novo desnorteia a rotina do nosso cérebro.
Ficamos sem palavras para julgar. O vocabulário humano é um conjunto de convenções que refletem experiências muito repetidas. Quando uma experiência sensorial totalmente nova nos defronta, o velho vocabulário existente mostra-se necessariamente inadequado. Diante da dança dos cogumelos chineses, das manobras da fada do orvalho, da tradução em desenho do
pensamento musical dum Stravinski ou dum Beethoven, da prodigiosa sátira à "Dança das Horas" de Ponchielli, do jogo de dois extremos, como a bolha e o elefante, da disneyzação da família de Pégaso e do clã dos
centauros, a atitude do espectador torna-se cômica. Temos que abrir a boca e conservar-nos mudos. Tudo
quanto tentarmos dizer com as convencionais e velhas
palavras da admiração torna-se grotesco. Notas 1. Publicado pouco após a morte do autor, esse texto vinha precedido de uma nota, esclarecendo que "deve ter sido redigido em setembro de 1941", supostamente para o número 5 da revista "Clima", dedicado "ao estudo e à crítica do grande filme de Walt Disney", com trabalhos de Oswald de Andrade e Sergio Milliet, entre outros. Monteiro Lobato não chegou a entregar seu artigo para o editor da revista, Lourival Gomes Machado. Sua publicação deve-se a Edgar Cavalheiro, "herdeiro de todo o arquivo de Lobato" e seu futuro biógrafo; 2. "Fantasia", de 1940, foi o terceiro desenho animado de longa-metragem de Walt Disney (1901-66), depois de "Branca de Neve e os Sete Anões" (1937) e "Pinóquio" (1939). Na sequência viriam "Dumbo" (1941) e "Bambi" (1942). Texto Anterior: A EXPANSÃO DA INFÂNCIA O construtor do império - Walt Disney Próximo Texto: Livro traz 80 autores Índice |
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