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Um humanista engajado
por Jürgen Habermas
Niklas Luhmann ontem, Pierre Bourdieu agora: os
anúncios de um óbito são sempre um golpe no
coração das pessoas da mesma geração. Com
Pierre Bourdieu desaparece um dos últimos
grandes sociólogos do século 20, indiferente às fronteiras
entre as disciplinas.
Ele foi etnólogo desde suas primeiras pesquisas sobre os
choques entre a Argélia camponesa e o espírito do capitalismo. Mas o principal de sua produção tomou lugar sob o
signo da sociologia, da filosofia, da economia, das ciências
sociais ou mesmo da análise da linguagem -descortinando novas perspectivas em todas essas disciplinas.
Seus conceitos fundamentais, como o de "capital simbólico", introduziram desafios críticos tanto para a história
quanto para a sociologia. Ele deu a noções como a de "habitus", que interessava bastante a Adorno, um uso rigoroso.
Assim como ultrapassou as fronteiras da sociologia,
Bourdieu não era um homem de conformismo acadêmico. Como Michel Foucault, ele era um desses espíritos de
grandes ambições acadêmicas, para os quais é impossível
impor uma barreira entre o engajamento político e o engajamento intelectual. Quanto mais avançava em idade, mais
a frieza acadêmica das letras lhe parecia insuportável. Ela
lhe parecia uma espécie de deserção em nome da neutralidade axiológica.
Ele abriu clareiras ao se tornar um porta-voz da resistência contra a invasão neoliberal. Ele também polarizou o
universo intelectual francês. Admiro ainda a generosidade
dessa inteligência e sua disponibilidade para assumir conflitos. Impressiona-me a faculdade do analista e do pesquisador de olhar à distância o mundo universitário imediato
e de se transformar em humanista no velho estilo, enquanto abandonava a postura de observador para assumir
aquela de ator passionalmente engajado.
Jürgen Habermas é filósofo e sociólogo alemão, autor de, entre outros,
"Mudança Estrutural na Esfera Pública", "Direito e Democracia" e "Consciência Moral e Agir Comunicativo" (Tempo Brasileiro).
Este texto foi originalmente publicado no "Le Monde".
Tradução de Caio Caramico Soares.
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